Tuesday, September 18, 2007

Carência

Eu quero o sol surgindo no meio da tarde de um dia cinza. Uma chuva (forte) de verão no fim de uma tarde quente. E gostar por não ter um guarda-chuva na bolsa. E curtir a chuva. E depois fazer um pedido quando aparecer o arco-íris. E ter a certeza medíocre que banhos de chuva não dão gripe e a certeza bendita que, assim como existe um pote de ouro no fim do aro-íris, os desejos mais inocentes sempre se realizam.

Eu quero a palavra certa para escrever. E a certeza de que vale a pena. A ilusão de que tenho inspiração para criar histórias. E a consciência que transpiração é tão necessário quanto a tal inspiração. E a impressão que a melhor história é a que vai surgir, um dia, do nada, quando eu não tiver buscando inspiração. Quero um alfabeto inteiro de possibilidades.

Eu quero o abraço apertado do meu afilhado quando eu me dou conta de que o tempo passa rápido demais. O cheiro da minha mãe quando eu fico com medo do que vai vir pela frente. O sorriso calmo do meu pai quando eu perco a calma. Os passos pesados do meu irmão quando me sentir longe demais. Quero ter a consciência de aproveitar tudo isso porque um dia não terei mais. E não me lamentar depois.

Quero algodão doce (rosa) quando sentir saudade da minha infância. Quero sair por aí de mochila quando precisar de um tempo. E voltar com uma mochila cheia quando perceber que chegou a hora. Quero dançar música egípcia, de vermelho, para provocar. E dançar música turca, de azul, para encantar. E saber que a mistura música diferente + dança sensual sempre causa uma reação. E saber lidar com essa reação.

Quero abraço, braços, beijo, boca, língua sempre que sentir saudade de ti. E corpo para percorrer. E tatuagens para descobrir. E entender que nem sempre eu terei sua mão e sua atenção. Quero dias de céu azul e noites estreladas. Quero praia vazia e pista cheia. Quero vinho para curtir e cerveja para divertir.

Quero juntar os pedacinhos de carência, para, quem sabe um dia, me tornar inteira.

1 comment:

Anonymous said...

Renata, definitivamente, você não precisa ter dúvidas, pelo menos no que tange o teu talento para escrever.
Ninguém escreve como você. Isso já é uma axioma!
Você escreve a maioria das coisas que eu queria dizer, escrever.
E eu acho que é assim, as pessoas se tornam fãs de determinado escritor porque identificam-se com o que lêem.
Esse seu texto, como inúmeros outros é incrível, fantástico (no sentido de muito bom, e não no do estilo literário).
Seria preciso uns 500 posts, para poder falar tudo sobre ele, mas vou me abster de continuar e paro por aqui, pois acho que isso é papel para aquele quem é alvo (pelo menos do penúltimo parágrafo) desse texto.