Tuesday, September 29, 2015

Traçando histórias

Sem jeito, o jovem com uma pasta entra na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Encara a secretária e pede para falar com o seu Henrique, é o estudante que precisa entrevistá-lo, indicação do Luiz Inácio. A moça sorri da formalidade forçada e fala alto, quase gritando: Henfil, o Caio chegou.

Logo um moreno, barbudo, de sandálias, calça jeans e camiseta vermelha lhe estende a mão. Vamos conversar no bar da esquina, o sindicato fecha daqui a pouco. Ah, pode me chamar de Henfil, diz ao jovem. Já sentados numa mesa na calçada, Caio começa a entrevista, explica que é para um trabalho da faculdade sobre o chamado novo sindicalismo.

Henfil explica o trabalho da Oboré, uma cooperativa de profissionais da comunicação que prestam serviços para sindicatos. É uma tentativa de ser um contraponto aos grandes meios de comunicação que não dialogam com os trabalhadores e por outro lado, de fazerem materiais sindicais mais atrativos, que cativem a base.

Somos a retaguarda dos movimentos sociais. Temos que ir lá, meter a mão, ajudar naquilo que pudermos, mas sempre na retaguarda. Nós não somos a vanguarda; os trabalhadores é que são, disse ao estudante.

Caio soube também que Henfil e Luiz Inácio ainda não conhecem pessoalmente, mas ele sabe que Lula o acompanha desde o Pasquim, que o pessoal da Oboré estão trabalhando numa cartilha para o 3º Congresso dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas de São Bernardo e Diadema. A expectativa de todos é que a atividade seja um marco para o movimento sindical.

Durante as três horas de conversa e muitas garrafas de cervejas, ficou claro para o estudante que Henfil era um idealista, um Dom Quixote armado de lápis, papel e senso de humor. Quem não entendeu muito foi o cartunista. Por que justo ele foi o indicado para aquela entrevista meio sem pé nem cabeça, sobre o movimento sindical, mas que falaram mais sobre os cartuns do que qualquer outra coisa.


Caio é estudante de Ciências Sociais e nas horas vagas desenha, sonha em viver de sua arte. Vai embora meio bêbado e orgulhoso da conversa com um dos maiores cartunistas do Brasil. Na pasta leva os próprios desenhos, não teve coragem de mostrar para o Henfil, mas tem certeza do futuro que vai traçar.