Wednesday, August 31, 2011

Agosto, 31

Então, chegamos no último dia do mês do cachorro louco e ao que tudo indica, sãos e salvos. Sobrevivemos a piora na crise econômica mundial, ao frio gaúcho, as chuvas que pareciam não ter fim, aos desgostos mensais e pessoais, sustos, surpresas e delírios, ao contra cheque (que é o mais louco dos cachorros que nos latem), aos atrasos e desencontros, aos trancos e barrancos, ataques de fúria, euforia e marasmo total. E eu, leonina agostina, sobrevivi a mais um aniversário.

Que venha setembro com a primavera e o sol em libra. E para lembrarmos que nem sempre agosto é assim, tão ruim, deixo um texto do amado Caio Fernando Abreu, publicado em 06 de agosto de 1995, no jornal O Estado, de São Paulo. Porque, afinal, conseguimos fazer essa travessia com sucesso.

Sugestões para atravessar agosto

Para atravessar agosto é preciso, antes de tudo, paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro – e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah! Escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.

Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir, dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições. Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos.

Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos – ou precauções-úteis a todos. O mais difícil: evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia categoria originalidade…Esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo ZAP): FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.

Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu – sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.

Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques – tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas – coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos.

Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter de mais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco.

Sunday, August 21, 2011

Aninha




De todas as minhas amigas, a Ana é a mais diferente de mim, sempre foi. Nos conhecemos no nosso primeiro emprego, na prefeitura de São Leopoldo. Ela estava terminando o ensino médio e queria fazer engenharia. Eu estava no primeiro semestre de jornalismo e com 17 anos, não tirava meus all stars e raramente sai a noite, quer dizer, minha balada era ir no bar BR3, onde podia ir com camiseta de banda e tênis. Enquanto a Ana, aos 16 já se equilibrava em cima de salto fino, adorava uma balada e tinha identidade falsa para poder entrar aonde quisesse.

Hoje, ela mora em Curitiba, está no último semestre de engenharia e namora o mesmo cara que ela estava ficando na primeira vez que fui visitá-la. Entre a prefeitura e a capital do Paraná muita coisa aconteceu. Fomos em festas, shows, cinemas, MC Donalds, caminhávamos nas tardes de domingo, íamos de ônibus para o shopping de Novo Hamburgo, de trem para o shopping de Canoas, mudamos de emprego, nos encontrávamos na universidade, enfrentamos uma viagem de ônibus num 29 de dezembro para passar o réveillon na Ilha do Mel.

Vi a Aninha passar no vestibular, entrar na UFRGS, brigar com o pai, reclamar dos irmãos e bêbada algumas vezes. Ela também foi testemunha de muitas coisas na minha vida e esteve comigo num dos piores momentos da minha vida, quando me afundei na primeira crise de depressão que tive, aos 19 anos. A Ana poderia ser só uma colega de trabalho ou uma parceira para festas, mas acabou sendo a única das minhas amigas que esteve do meu lado quando eu, com certeza, não era a pessoa mais animada do mundo.

Desde que ela foi embora, algumas coisas mudaram, ela emagreceu e aprendeu a gostar de malhar, eu me formei e aprendi a gostar de sair de noite. Na última sexta, saímos para beber (ela veio visitar os irmãos em Porto Alegre), falamos do futuro, dos nossos trabalhos, da formatura dela e do passado. Pela primeira vez, ela me viu um pouco bêbada e lá pelas tantas, me perguntou “tu lembra que tu foi a primeira pessoa a falar comigo lá na prefeitura?”

Eu lembro, claro que lembro, até da roupa que ela usava. Eu estava na sala do lado e volta e meia olhava para aquela menina gordinha que seria minha nova colega e que, erroneamente, chamávamos de “espiã”, até que não aguentei e pensei que deveria ir lá dar as boas vindas para ela. E fui.

Tuesday, August 16, 2011

Nostalgia: de Meia Noite em Paris a Smurfs

Semanas atrás, assisti "Meia Noite em Paris" do Woody Allen. No filme, o roteirista Gil (Owen Wilson) é um cara nostálgico. E de tanto desejar viver em épocas passadas é transportado para a era do ouro parisiense e passa a conviver com o francês Jean Cocteau, ouvir Cole Porter tocar piano e bater altos papos com Scott e Zelda Fitzgerald, Ernest Hemingway, T.S. Eliot e outros que ele admira.

Sim, eu gostei do filme. O que mais me chamou atenção foi a nostalgia, para mim ela é a personagem principal. Mais do que voltar no tempo, quem nunca desejou viver em outra época? Woody Allen tem insights fantásticos sobre o inevitável vazio que a nostalgia gera. Para ele, não vale a pena idealizar o passado porque a vida é ruim assim mesmo, não importa a época.

Para mim, esta nostalgia vem do fato de não termos a capacidade de assimilar a contemporaneidade. Inseridos num contexto, não conseguimos enxergá-lo por completo, simples assim. Por exemplo, minha geração, usuária de Facebook, Twitter, Orkut e afins, não tem noção do quanto o surgimento dessas ferramentas vai significar no futuro. Talvez muitos dos nossos filhos e netos vão desejar viver na época dos primeiros usuários de redes sociais.

Essa semana, fui assistir “Smurfs” e o cinema estava lotado de adultos que, como eu, acordavam cedo na década de 80 só para não perder o desenho.

Sim, eu gostei do filme. Como toda obra de algo que já existe há muito tempo, o filme é cheio de referências à cultura contemporânea, de Kate Perry a Obama. E faz questão de explicar para quem, por um acaso, descobrir os anõezinhos azuis agora, que eles foram criados pelo Peyo, na década de 50.

Os dois são filmes inteligentes. Se é em Smurfs que se espera a maior dose de fantasia, é em um filme do Woody Allen que alguém entra num carro e é transportado ao passado. Se é em Meia Noite em Paris que esperamos lições de morais sobre vida, é numa animação que encontramos críticas a sociedade e a inversão de valores que vivemos.

Em ambos, saímos nos perguntando se “dá para voltar no tempo”? Não precisa ser para descobrir que a Era de Ouro era uma merda para quem estava lá, já está bom assistir Smurfs todo dia.


Monday, August 08, 2011

Feliz idade

Foi por pouco, por muito pouco. Mas cheguei aos 26, de todas as minhas idades, sem dúvida essa foi a que esteve mais a perigo. O último ano foi deverás difícil. Sou uma sobrevivente. Sobrevivi a uma saudade que, de fato, não me matou, mas me endureceu muito. E, por outro lado, me tornou muito mais sensível à vida.

Sei que no céu, por trás de toda essas nuvens cinzas, lá no infinito do universo, o Sol e Vênus estão em conjunção em Leão, o que pressagia um bom para quem aniversaria durante essa semana. Deixei de acreditar em muitas coisas no último ano, mas no universo e em suas andanças invisíveis, eu persisto crendo.

Não quero e nem gosto de festas, aliás, continuo achando o dia do nosso aniversário extremamente triste. Mas há um ano novinho na minha frente e ainda bem, aniversário é só um dia.

Também não vou pedir nada, mas desejo sim, dias melhores. Dias de mais amor e menos saudade. Dias de mais presença e menos ausência. Dias de mais leveza e menos dores. Dias de mais choros bobos de alegria do que choros desesperados de angústia. Dias de mais vida!

Sunday, August 07, 2011

D.R.

Eu já escrevi muito para o senhor, não é? Só que essa é a última. Você perdeu minha confiança e minha fé. Eu também perdi, pode acreditar. O fato é que, por enquanto, nossa relação acabou. Não acredito mais em ti. De verdade, gostaria de acreditar, mas não rola mais, minha crença é tão falsa como uma nota de dois reais.

Não se preocupa, não vou cair no lugar comum de te culpar e pensar que “Deus quis assim”, “Deus sabe o que faz” e “se Deus quiser”... Você é uma perfeita desculpa esfarrapada para as pessoas justificarem suas vidas medíocres. Não quero isso para mim, se caso me der conta da vida medíocre que levo quero ter a grandeza de saber que foi tudo por mim causa, minha única e máxima culpa. Não vou meter mais nada no teu cú.

Essa noção de que agora é tudo por minha conta e risco me concede uma liberdade incrível e também, uma responsabilidade assustadora. Afinal sempre vivi debaixo da tua asa e agora não tenho mais ninguém para justificar minhas escolhas erradas, minhas pisadas na bola e afins...

Conheço algumas pessoas que vivem muito bem sem você. Tenho pensado muito nelas, pois, como todo mundo, preciso de exemplos bem sucedidos. E são pessoas felizes, inteligentes e com uma fé absurda nelas mesmas. Penso que você, se é que existe, no fundo deve se orgulhar muito de nos, que conseguimos a carta de alforria de Deus, afinal somos uma preocupação a menos.

Bom querido, é isso. Por enquanto, é melhor cada um no seu canto. Um dia, talvez, num futuro distante, se você estiver afim e eu também, a gente pode tomar um chopp por aí e discutir a relação.

Tuesday, August 02, 2011

Sobre guarda chuvas e outras coisas que se perdem

Para ler ouvindo "O Que Se Perde Enquanto Os Olhos Piscam", do Teatro Mágico

Quantos guarda chuvas a gente perde ao longo da vida? E para onde vão esses objetos? Por que imaginem a quantidade de sombrinhas e guarda chuvas que, de uma hora para outra, se vêem longe das mãos de seus donos. Deve haver um lugar no paraíso só para eles, assim como um céu só para cachorros.

Ou será que eles acabam evoluindo e viram guarda sóis coloridos? Bem melhor proteger crianças, mulheres branquelas e velhinhos do sol do que passar a vida sendo esquecido por aí. Guarda chuva quando não é perdido, comete suicídio quebrando haste por haste... Vida longa não são com eles.

E as canetas que desaparecem dentro da minha bolsa? Colocar uma caneta na bolsa e praticamente tocá-la no lixo, com a diferença que eu fico me achando uma louca, porque claro que tinha uma caneta dentro da minha bolsa! E quando eu preciso dela, ela some... Certos objetos adoram nos fazer de bobos.

Mas nada, nada se compara a um livro que lia no trem. Foi o sumiço mais estranho que já presenciei, porque ele estava, obviamente, em minhas mãos, até que o celular tocou. Um aparelho que nunca levava comigo e que nunca havia tocado antes. Mas tocou e estava na bolsa, que estava no meu colo. Enquanto ouvia uma das vozes que mais amo me fazendo uma proposta totalmente inesperada, gaguejei, o coração acelerou, a pressão oscilou e o livro sumiu.

Sim, eu consegui perder um livro dentro de um trem lotado. A última lembrança que tenho dele é que antes de sumir, apertou meu dedão, enquanto se fechava e ia na direção da minha bolsa. Mas ele foi embora, não ouvi nenhum barulho dele caindo. Meu livro sumiu, simples assim. Ainda bem que era um livro de crônicas, já pensou se eu ficasse sem saber o final da história?

Seja lá aonde vão os objetos perdidos, na área destinada a mim, tem várias sombrinhas, muitas canetas e um livro, que reina absoluto e volta e meia me faz questionar minha sanidade. Inclusive, vou discutir isso com o meu psiquiatra na próxima sessão.

Monday, August 01, 2011

Sob o sol de Leão*

Neste exato momento há uma conspiração favorável no universo. Favorável a tudo e a todos que sejam de bem e do bem. O Sol está em Leão, assim como Vênus e a Lua, que se fazendo Nova, dá coragem para que novos e necessários ciclos sejam começados. E Mercúrio, o mestre da comunicação, do intelecto, o mensageiro entre os mundos, está na sua casa, Virgem.

Essa conjunção é boa para nos, leoninos, que fazemos a festa desde o final de julho, para os virginianos que não sofrerão tanto com o inferno astral e para todos, de maneira geral, pois seremos menos atingidos pelas angústias agostianas.

É bom um céu assim, especialmente, na primeira semana de agosto, esse lendário mês de desgostos e cachorros loucos. Que esse céu tão solar, tão leonino, traga enfim, as boas novas, para aquietar meu coração que tem Vênus em Câncer e, portanto, não sabe lidar com o final das coisas e tem um medo danado de novos começos.

Que a conspiração astral amenize minha ansiedade Libriana e que esse meu ascendente não exerça o seu domínio, tão fortemente, sobre mim. Como eu não vou enlouquecer considerando todos os “e se...” e os “mas e se...” que a vida me oferece? Acreditem, minha Lua em Touro nada ajuda nessa hora.

Que o dia 8, com toda a sua forma de infinito e seus círculos contínuos (que nascem, morrem e renascem) me façam perceber que estamos quase no final do ano. Depois de Leão, só temos que esperar Virgem passar para que a Balança e os sedutores librianos nos tragam as flores e o clima primaveril. Quem sabe aí a gente entenda o favorável universo do hoje e colheremos os frutos. Que serão saborosos.

*Inspirado em Zero grau de Libra, de Caio Fernando Abreu