Friday, June 15, 2012

Duas décadas

Tanta coisa aconteceu nestas duas décadas, às vezes gosto de imaginar como a vida seria se você ainda estivesse aqui. Talvez o Ricardo não tivesse ido para o Rio, talvez o Miguel aparecesse mais seguido, talvez o Cristiano fosse só um tio e não um tio quase irmão.

Provavelmente você teria ficado triste com o destino da tua poupança graças ao Collor, a mãe sempre fala que você achava ele bonito. Lembra que eu adorava falar impeachment? Pensava que soava tão lindo e que era uma palavra muito difícil para uma criança, acho que foi ali que surgiu minha consciência política. Falando nisso, lembra do Brizola, que tu sempre falava? Almocei com a neta dele outro dia.

Com certeza eu teria aprendido a cozinhar do teu lado e não sozinha. Acho que teria condições de pronunciar algumas palavras em alemão e não só entender coisas soltas no meio de conversas que escuto por aí. Ah, no final de 1992, eu li meu primeiro livro, lembra que eu chorava que eu não ia aprender a ler? Não só aprendi, como isso é o que eu mais gosto de fazer.

E muitas vezes depois disso, chorei por não conseguir entender nada de matemática, e não entendo até hoje. O tio Cristiano que me ajudava, nossa já se deu conta que o teu bebê vai fazer 40 anos este ano? Ele tá tri bem, festeiro, alegre e mulherengo como sempre, mas quase totalmente careca. Às vezes, quando a gente sai, ele fala: “vamos lá Rê, eu preciso de um sobrinho e você, de uma tia” e eu respondo: “não me importo de ter uma tia mais nova se você aceitar um sobrinho mais velho.”

Tanta coisa aconteceu nesses 20 anos, comigo, com a gente, com o mundo. Não sou mais loira, virei vegetariana, tenho piercings e tatuagens, não quis festa de 15 anos (pedi o silicone, mas não deram porque era muito nova, mas ganhei dinheiro) e me dou bem com todos os meus primos.

O Marcellinho é um alemão lindo, tá no Piauí agora. O Tiago está praticamente casado. O Júnior também, casado e empregado, é jornalista para o orgulho da prima gaúcha. O Márcio é uma figura, sempre em função do corpo, academia e lutas. O cabrito do meu irmão é aquela coisa meio conservadora, meio tradicional, meio trabalhadora e muito divertida (sério, às vezes, ele é hilário). A senhora ia se amarrar no Wesley, no Rockson e no Ramon.

Viu que agora temos um Jasmim? Lindo, fica aqui na sacada do meu quarto, sempre converso e faço carinho nele. Estou louca para que chegue a primavera, para ele florir e deixar meu quarto perfumado... Nem tudo mudou em 20 anos. Pensar no 15 de junho de 1992 em 2012, faz parecer tão distante, mas ainda assim tão nítido.

Não sei se sinto saudade, porque por mais que me doa, prefiro pensar que o agora é melhor, odeio o papo de “para qual época gostaria de voltar”, para nenhuma, minha época é agora. Parece que é um gostar de imaginar como seria se você estivesse aqui. E eu gostaria que estivesse.

Sunday, June 10, 2012

Easy like sunday morning

“I wanna be free to know the things I do are right” – Lionel Richie

Algodão doce. Melhor do que isso, só aquelas pipocas do saco cor de rosa, que de vez em quando tenho a sorte de encontrar por aí e elas tornam qualquer parte do meu dia, melhor.

Ouvir os discos que herdei do meu avô, principalmente Maysa, pode estar chovendo, começa a tocar “O Barquinho”, o sol aparece. Descobrir que a música de um artista ocidental tem a batida de algum ritmo árabe e é perfeita para o palco.

Implicar com meu irmão, deixar ele bem irritado, começar a brigar e no meio da discussão falar: “cabrito, se comporta!”, só para ele rir, só para a gente dar gargalhadas depois. Tentar não rir quando meu afilhado vem me fazer cócegas, óbvio que não consigo, o que só faz com que ele se divirta ainda mais. E eu também.

Vinho e livro sábado de noite são melhores do que qualquer balada. Há não ser quando saio com o meu tio e faço a maior propaganda para as minhas amigas. Mas, sair com o meu tio e perceber que ele faz a maior propaganda de mim para os amigos dele, é melhor.

Dor. Aquela dor boa que dá na cintura no dia seguinte de um ensaio que durou horas. Ensaiar e ensaiar e quando acaba, ter fôlego para mais algumas horas. Dançar. Perceber a expressão das pessoas quando a gente dança, deixar alguém sem jeito, quando no meio de um passo a gente olha nos olhos dela.

Debater algum assunto com meu primo de quatro anos. Escutar do meu ex que sou uma das melhores profissionais que ele conhece. Atender o telefone e ouvir a amiga, que tem idade para ser minha mãe dizendo: “quero saber tua opinião porque confio muito em ti.”

Ir no supermercado com meu pai. Viajar. Olhar fotos. Caminhar. Ler. Conversar com o meu jasmim. Brincar com a Arroba. Cozinhar. Dormir até tarde aos domingos, geralmente toda a manhã. Escrever.

Saturday, June 09, 2012

O melhor show de todos os tempos da tecnologia

“I'm so happy
'Cause today I've found my friends
They're in my head”

Lithium - Nirvana


Elvis não morreu. E irá tocar no Brasil em outubro, a turnê Elvis in Concert vai passar por Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Na capital paulista, haverá um show extra, pois os ingressos para a primeira apresentação já estão esgotados.

Se tem uma coisa que eu gosto, é de ir em shows, é uma das poucas coisas que pago o preço que for e não reclamo. Adoraria ir num show do Elvis Presley, imagina cantar Suspicious Minds com ele? Mas dessa vez não irei. Infelizmente, contrariando a lenda, o Elvis morreu antes mesmo de eu nascer.

O que virá ao Brasil em outubro é a mais avançada das tecnologias com projeção holográfica, telões gigantes e áudio remasterizado. Tudo isso irá torna o show mais realista, impressionante e o morto mais vivo que nunca. Um salve para a tecnologia e para o show business, mas esse tipo de espetáculo não me pega.

Quando soube da possibilidade de ressuscitarem grandes astros com holografia, pensei: “se rolar um show do Nirvana, eu vou. Ver o Kurt Cobain, de pertinho, cantar Lithium, Come as you are, About a girl... e daí que é faz de conta?”

Mas não rola né? Justamente por ser fã do Nirvana, que não conseguiria ver o Kurt num telão. O Cobain holográfico seria do começo da década de 90, mas como seria o músico quarentão se ele tivesse suportado a vida e não tivesse se matado? Imagino um Kurt Cobain lindo, maduro e profundo, com a voz mais rouca e menos cabelo.

Por esse, o Kurt de verdade, eu pagaria o preço que fosse. Provavelmente, pelo Elvis também. Sou muito resistente a vincular arte com negócio, but business is business e mega shows mexem com milhões de dólares, por que não trazer de volta artistas que foram cedo demais e ainda tem um público cativo? Por que não assistir a um espetáculo assim?

Porque, para mim, um espetáculo desse tipo, por mais que haja um baita planejamento por trás, depende muito do improviso, do inesperado. Emoções e sensações não podem ser produzidas por tecnologia. Eu me nego a aplaudir um Elvis no telão, aplaudiria de pé o idoso que ele seria hoje.

Enquanto escuto os mesmos CDs de sempre do Nirvana, a voz rasgada do Kurt diz que ele está feliz e desejo que ele e tantos outros artistas geniais virem lenda, pó, estátua, borboleta, qualquer coisa, menos projeções holográficas.

Sunday, June 03, 2012

Da capacidade de ter sangue frio

Eu gosto de política, como o mecanismo que legitima ações de alguns atores (sejam pessoas, ONGs, partidos políticos, entidades sociais, sindicais e estudantis) em prol do coletivo. Gosto de pensar sobre isso e qualquer pessoa que entende um pouquinho de política (não precisa gostar) percebe que a possível coligação do PCdoB com o PP é uma aberração política por causa da ideologia de cada partido.

Por mais que o PCdoB seja o mais elitizado dos partidos “ditos” de esquerda, por sempre ter investido em formação para seus lideres e que o PP seja uma sigla bastante popular devido ao grande número de prefeituras que governa, esse cruzamento é uma falta de respeito com a história de cada partido e uma afronta à inteligência dos eleitores. É como querer cruzar um morcego com um peixe.

Apesar dessas incoerências que acompanho diretamente dos bastidores, gosto das informações privilegiadas que eu tenho, da abertura de transitar em setores da sociedade que poucos têm acesso. Tenho cabeça, estômago e profissionalismo para trabalhar com isso e, sangue frio para testemunhar comportamentos tão baixos.

Passei boa parte da minha infância afirmando que seria veterinária, mudei de ideia quando percebi que não bastava gostar de cachorro, gato, papagaio e tartaruga, mas ter sangue frio para lidar com eles nas piores situações. Já na adolescência, queria ser comissária de bordo, o que só durou até eu me dar conta que dificilmente manteria o equilíbrio numa situação de risco, já não mantenho no dia a dia.

Gosto de trabalhar com isso, porque é aqui que encontro todo o tipo de gente, do político corrupto ao idealista solitário; do advogado que enche a boca para se denominar Doutor e não se dá conta que é Phd em alienação; do professor que trocou a universidade para dar aula para o MST e desde então tem que provar que não é marginal ao puxa saco do assessor do político que sempre quer se dar bem; da garota de programa que veste Prada e Hermès ao homem que exige respeito mas não sabe respeitar nenhuma mulher; da moça que se acha esperta e tenta engravidar de algum político, ou rico, ou famoso ao homem otário que engravidou a moça, porque queria desfilar com uma beldade do lado e vai passar a vida se submetendo a chantagens...

É um zoológico, uma hospiciolândia, uma torre de babel, uma arca de Noé com todos os tipos da medíocre, a grandiosa e contraditória espécie humana. Estamos todos no mesmo barco, furado, revezando os remos até o dia do naufrágio, até o dia que o mundo acabe, até o dia que Deus resolver acabar o mundo com o fogo e não água, já imaginaram o dia da fogueira final? Ou até o dia que eu pular do barco. Game over for me!

Por mais que ache natural trabalhar com isso, sei que estou num compartimento da embarcação que reúne os exemplares mais podres da nossa sociedade, os políticos e isso, misturado com o vai e vai do barco, mais as imperfeições humanas, sobrecarregam o meu estômago. Mas eu tenho sangre frio o suficiente para continuar remando, respirar fundo e pensar: “é meu trabalho”.

No meio de tudo isso, fazer trabalho voluntário é uma válvula de escape, uma possibilidade, não só de dedicar o meu tempo e mão de obra a coisas mais leves, penso que faço isso mais por mim do que pelas crianças. Tem vezes que tenho que representar a creche que trabalho em reuniões, geralmente com a Secretaria de Educação ou Assistência Social e eles me mandam, justamente, porque estou acostumada com esse ambiente político.

Só que quem vai nesses encontros é a cidadã e a cidadã não tem o mesmo sangue frio da jornalista. Quando me deparo numa reunião para discutir o que fazer com o vice diretor de uma creche comunitária que leva para casa uma boa percentagem dos alimentos doados para a entidade, não dá pra não me revoltar.

Sei que esse tipo de comportamento baixo e corrupto acontece em qualquer setor da sociedade. E concordo que deve ser baita pepino fazer milagres com um orçamento mínimo que vem de convênios com os órgãos públicos para dar conta de alimentar e tornar possível a educação de centenas de crianças.

Mas considero muito pior quando o corrupto é quem a gente menos espera, é quem conhece a realidade que está roubada, pior, faz parte dela. Políticos não, eles vivem num mundo a parte, grande parte deles já se esqueceram de sua condição humana e priorizam sempre o seu umbigo.

Participar de uma reunião, com secretários do município para discutir essa situação é quase uma inversão de valores: políticos cobrando ética de um cidadão. Posso rir? Alguém vem segurar o meu remo porque eu vou ali assimilar tudo isso e fazer meu estômago entender que nem sempre o homo sapiens se comporta como tal.