Monday, July 25, 2011

Sinais

Na estação aeroporto do trensurb entram dois rapazes. O trem está lotado, mas eles param perto de mim. Pela maneira como se tocam e pela cumplicidade que há em seus olhares, imagino que são namorados.

Um deles, o mais falante, ostenta uma pele bronzeada e tem na mochila a etiqueta de uma agência de viagem. O outro é mais quieto e não trás nenhuma bagagem, apenas um copo de milkshake do Bob’s vazio. Chovia muito, estamos todos um pouco molhados.

Na estação Niterói, a gente consegue sentar, eles num banco de frente para mim. O moreno olha para tudo com uma curiosidade de quem está em um lugar pela primeira vez, o outro tem um ar preocupado como se perguntasse “será que ele está gostando?”

Enquanto olho os pingos de chuva na janela, começo a pensar nos meus amigos gays e percebo que aquele casal é um sinal. Um sinal de vida, de que devemos ter esperança, de que as coisas vão dar certo.

O celular do “turista” toca e eu escuto um pouco da conversa: “sim, cheguei bem. Tá frio, bastante frio, mas o Giovani disse que esses dias estava congelante. Sim, sim estamos indo para a casa dele, vou passar para ele...”

Pergunto da onde ele é, me responde com um sorriso que é do Rio de Janeiro, o que explica aquele tom de pele lindo. Então, passo a ter certeza de que é um sinal. Num fim de tarde chuvoso, há um carioca sentado na minha frente, num trem lotado. Um carioca, como o homem que amo. E outro, chamando Giovani. É um sinal, eu sei que é. É a vida subjetiva me mandando mensagens subliminares.

Conversamos um pouco. Quando vou descer, eles olham para mim e me desejam “todo o amor do mundo”. Sim, agora não há dúvida, é um aviso de que tudo dará certo e que eu terei sim, todo o amor do mundo.

Wednesday, July 20, 2011

Enchendo os pulmões de ar

Medo. Estou com medo, apavorada na verdade. A vida está se encaminhando para algo que quero muito, mas com essa possibilidade veio, também, um medo danado.

De perder o controle antes da hora, de ter a faca e o queijo na mão e acabar me cortando ou pior, de deixar o queijo mofar. De me sabotar, de achar que não mereço tanto e jogar tudo fora. Sim, porque a maioria das pessoas abre mão de ser feliz, a maioria não tem a consciência de que merecemos ser felizes.

Existe um ditado árabe que diz: "quando Deus quer enlouquecer alguém, ele realiza todos os seus desejos". Então, estou há um passo da loucura, logo eu, que até Deus estou contestando. Mas se tudo der certo, vou me tornar a pessoa mais crédula do mundo e passarei meus dias louvando o senhor e, só isso, já será uma loucura total.

Não vou negar que esse medo dos últimos dias tem feito eu me sentir viva e penso que isso é bom. Sentir a adrenalina correndo pelo corpo, o coração acelerado... Preciso dar longas respiradas, enchendo bem os pulmões de ar, para conseguir realizar as tarefas banais do dia.

Me sinto em cima de um prédio bem alto, pronta pra me atirar na feliz adrenalina da loucura plena de viver um desejo realizado. Porém, se Deus realmente não existir ou não estiver disposto a se divertir comigo enlouquecida, desta vez, a queda vai ser fatal.

"E de pensar nisso tudo, eu, homem feito. Tive medo e não consegui dormir..." Legião Urbana

Friday, July 15, 2011

Dá pra voltar no tempo?

Tenho uma memória de elefante, sou capaz de reviver dias inteiros que já aconteceram, sei as datas e até horas. Por exemplo, recordo o dia 15 de junho de 1992, o dia que minha avó morreu, como se fosse ontem. Quando minha mãe foi fazer minha matrícula na primeira série e me levou junto para me mostrar a escola. Quando soube que tinha passado no vestibular e resolvi ir pra casa a pé, de tão feliz que estava. O dia da minha formatura, a missa da minha formatura, minha chegada em Barcelona, a noite que capotei de carro.

Claro que isso são coisas marcantes, mas tem as banais, os dias comuns que deixam suas digitais na eternidade. O dia que o tio Roni trocou de carro e levou todos os sobrinhos para tomar sorvete, ainda sinto a força dos meus dedos no banco quando ele falava: “gurizada, vou ligar o turbo!”

Uma noite na praia, caçando vagalumes com meu irmão. Uma brincadeira de esconde esconde na casa dos meus avós, que acabou porque uma prima pulou a janela do quarto e sujou toda a cama da vó, de barro. A bagunça na hora do almoço com os tios e primos de Florioanópolis, nas férias de inverno de 1994. Um luau na Guarda do Embaú, em 2004. Uma tarde na faculdade editando o programa de Tele II. Depois de anos, a subida até o Cristo Redentor, em 2009, (Gi, eu estava emocionadíssima!) O porre na festa do Congresso da CUT-RS. Coisas assim...

Acordo e penso: “bah hoje é 06 de fevereiro, em 1993 estava em Tramandaí e de noite eu ficaria deslumbrada diante de vagalumes dentro de um copo”. É assim, as coisas vem na garupa do elefante que é minha memória.

Agora são 15h30 e há um ano, em 15 de julho de 2010, eu estava feliz, muito feliz. Há essa hora estava saindo do trabalho, já tinha participado de uma reunião de funcionários da CUT e ido comprar TNT amarelo para a amiga Juliana colocar na mesa do chá de casa nova dela, que foi no final daquela tarde. Estava indo para um hotel no centro de Porto, onde encontraria o homem que amo.

Eu veria ele chegar, lindo. Iria para o chá da minha amiga com a Gi, arrumaríamos as mesas com a Ju, depois a Gi me ajudaria a ver quais salgadinhos não tinham carne. No início da noite, voltaria e sairíamos para beber. Lembro que enquanto a gente caminhava até um bar, pensava “não acredito que ele está aqui, comigo”. Ele me observou colocando as luvas e me disse: “tu é a segunda pessoa que conheço que usa luvas sem tirar os anéis.” E a gente riu. Eu estava feliz, ele parecia feliz.

Essa não foi a última vez que nos vimos, mas foi a última em que parecíamos felizes. É clichê se eu falar que se soubesse disso, teria abraçado mais, beijado mais? Eu morro de saudade dele, todos os dias eu morro um pouco e me supero muito.

Mas hoje, eu acordei com aquele desejo impossível de voltar no tempo de verdade e não através dessas lembranças tão próximas, tão densas e até palpáveis. Por favor máquina dos filmes da sessão da tarde, me leve de volta! Eu tenho pouco tempo para que esse milagre aconteça! Daqui um pouquinho, lá pelas 16h20, verei ele descendo do carro e estarei de novo no melhor lugar do mundo: os braços dele.

Assinale a justificativa correta

Eu ando de saco cheio de tudo, o que não é nenhuma novidade. Incrível é estar tranqüila porque sei que é o meu inferno astral. Daqui uns dias, assim que o sol ingressar em Leão, vai passar.

Caso no próximo mês, eu continue assim, não esquecem que agosto é o mês do cachorro louco, que a bruxa anda solta e todas as coisas que ouvimos a vida toda da cultura popular, acabam influenciando no nosso comportamento.

Com certeza, em setembro, com a chegada da primavera, tudo ficar mais ameno. Se bem que o pólen das flores solto no ar dá alergia e as pessoas acabam ficando meio de saco cheio até com a estação mais bonita do ano.

Mas assim eu vou e o tempo vai passando, busco desculpas esfarrapadas pra enfrentar a dor. Um dia quando eu me der conta, já terá passado muitos anos, muitos infernos astrais, agostos e primaveras. E eu terei sobrevivido.

E muito provavelmente não terei achado a justificativa correta para estar quase sempre de saco cheio. Minha vida está longe de ser monótona e tenho consciência da grandiosidade desse mistério que é a vida. Muito das minhas dores se devem ao fato de eu não querer e não achar normal viver uma vida pela metade. Ando tão de saco cheio porque viver me dói muito.

Wednesday, July 13, 2011

Casa de Nazaré

Há uns 10 anos atrás eu fazia trabalho voluntário com crianças, era um projeto da escola que estudava. Eu fazia o que mais gostava: ler. Eu lia histórias para crianças que ainda não estavam alfabetizadas e era o máximo. Lia de tudo, de Monteiro Lobato a Anne Frank, até o Mito da Caverna, do Platão eu li e acreditem, aquelas crianças de 5 e 6 anos entendiam muito bem.

Mas foram por alguns meses apenas e logo entrei na faculdade, porém nunca esqueci como me sentia bem com elas. E pensei muito nisso enquanto estive na Europa, não sei se porque estava totalmente sozinha ou porque me dava conta que eu poderia viajar pra qualquer lugar, eu não esqueceria certas coisas e nem deixaria sentimentos de lado. Então acreditava que quando voltasse, tinha que fazer coisas que me fizessem bem.

Eu pensei muito nisso, que conviver com crianças me faria bem. Na minha última semana lá fora, recebi um email de um ex chefe que dizia mais ou menos assim: “Quando tu volta? Tu vai voltar né? Me avisa, tem um lugar que quero que tu conheça, acho que tu vai gostar.” Uma semana depois que cheguei no Brasil, fui conhecer esse lugar, a Casa de Nazaré – Centro de Apoio ao Menor. Na outra semana comecei a trabalhar lá. É longe, na vila Nossa Senhora das Graças, no bairro Cristal, mas é incrível.

Quando esse amigo me enviou o email, a intenção era ver se eu topava fazer algum trabalho voluntário na entidade, só que nesse meio tempo, o funcionário que cuidava da administração do site da Casa saiu. Então, me tornei assessora de comunicação da Casa de Nazaré. Faço uma das poucas coisas que sei fazer e o melhor, rodeada de crianças.

A Casa de Nazaré atende mais de 500 crianças e jovens por dia. Há turmas de berçário, maternal e jardim, além das turmas de trabalho educativo que são para as crianças em idade escolar, que freqüentam a entidade no contra turno e os projetos sociais para os jovens de 12 a 16 anos, como teatro, violão, informática...

Há muito trabalho e pouca estrutura, mas é incrível saber que lá na ponta os beneficiados serão essas pessoas. Quase sempre almoço lá e outro dia ouvi de uma menina de 4 anos que “tem que comer repolho porque faz bem para pele”. Por mais que não esteja contando histórias para essas crianças, estou convivendo com elas, com centenas delas. E isso me faz um bem danado.

Eu que ando tão descrente de tudo, volto a ter esperança no ser humano, me faz acreditar que com tanta gente boa no mundo, é impossível as coisas não darem certo. Trabalhar lá não me faz esquecer da vida, muito pelo contrário, a realidade vem como um soco no estômago todos os dias.

Quando ouço uma criança falar, com a maior naturalidade, que o pai está preso e a mãe foi comprar crack. Quando entra uma educadora na minha sala perguntando se eu vou entrar na vaquinha para comprar um tênis para uma criança que apareceu de chinelo e meia, num dia que fazia 5ºC. Ou quando uma grávida de 13 anos me pergunta quantos filhos eu tenho e me olha horrorizada com a resposta negativa, porque essa é única realidade que ela conhece.

Não faço trabalho voluntário, sou funcionária e ganho por isso, embora quando fale para as pessoas o valor do meu salário, ouça gargalhadas e quase sempre a sentença: “isso é trabalho voluntário”. Mas eu ganho essa esperança que disse acima, quando entro no refeitório e tem dezenas de carinhas lindas, com a boca suja de feijão, me sorrindo. Tem alguns que entram na minha sala para me entregar um desenho, na maioria das vezes é eu que estou desenhada e quase sempre, não me reconheço. Quando a gente perde a fé, são gestos assim que nos sustentam.

Eles não entendem o que faz uma assessora de imprensa, me chamam de tia, de profe, de sora, de Rê ou de ingrata (graças ao Latino). Eles também não entendem porque eu trabalho na sala da direção (o rapaz que cuidava do site era instrutor de informática). Devo ser uma grande incógnita para eles e para muita gente que acha absurdo eu acordar de madrugada, pegar trem e ônibus para trabalhar numa creche. Mas com certeza, a maior beneficiada nessa história toda, sou eu.

“Eu fico com a pureza da resposta das crianças”- Gonzaguinha

Friday, July 08, 2011

Seguindo a canção

Eu estou tentando com todas as minhas forças mas, às vezes, viver me exige tanto esforço. E daí se meus problemas por causa de um coração partido são ínfimos perto de problemas mundiais como fome, violência e miséria? São meus problemas! E muitas vezes não me deixam dormir e continuar caminhando e cantando e seguindo a canção.

Acredito que eu querer ficar bem e buscar objetivos para continuar já é uma grande coisa, mesmo tendo abandonado a terapia e jogado os remédios o lixo. Cansei de tomar droga liberada e com receita, para ser feliz. Como diz minha mãe, a gente tem que caminhar com as próprias pernas, e estou fazendo isso. Vou tropeçando, reclamando, chorando, mas vivendo, no final das contas.

Estou me focando, mais do que nunca, em juntar grana para comprar um apartamento ano que vem. É um plano bem real e aceitável, o que mostra a minha maturidade. A infantilidade vem quando eu penso que preciso de um apartamento com dois quartos e me pego pensando como vou mobiliar esse quarto que será para o enteado lindo e fofo que um dia eu vou ter.

Boa parte de mim sabe que isso é uma ilusão. Mas é justamente a parte iludida que me faz querer continuar, viver e ficar bem. Porque quando ele voltar e ele vai voltar, vai me encontrar melhor do que eu era. Sim, é só por ele que eu sigo ensaiando a canção de todo dia.