Friday, January 30, 2009

Ele

Pela pose de homem sério, ele deixa escapar uma criança. Uma criança curiosa e observadora, que faz pergunta do tipo: “Será que existe algum Francisco que não seja chamado de Chico?”

Ele rouba Todynho do sobrinho e ainda compra brinquedos. E não tem o menor receio de afirmar que sim, os brinquedos são para ele. Não vê a hora de chegar em casa para montar o tal brinquedo novo.

Por trás dos óculos, há um distraído. Aquele tipo de distraído que está sempre concentrado nas coisas subjetivas e não nas práticas, por isso nunca lembra onde largou o celular, a carteira, a chave do carro... Aliás, será que o carro foi fechado?

É do jeitinho que eu gosto (loiro de olhos azuis!) Ele gosta de praia, detesta maconha e não come lentilha. É colorado e adora aviões. Toma chá numa caneca vermelha, tem uma letra quase indecifrável e uma mesa bagunçada...

Eu não sei o motivo, mas ele é o tipo de pessoa que eu gostaria de ter na minha vida.

Sunday, January 18, 2009

Escuta

Estava lendo uma reportagem sobre o silêncio na edição 83 da revista TPM. Na abertura da matéria, há um frase do Guimarães Rosa (autor do Grande Sertão: Veredas) assim: “A gente quer se afastar de si próprio... Por isso é que muito se fala. (...) O silêncio é a gente mesmo, demais.” Grande sacada!

Isso mesmo. O silêncio nos obriga a conversar com nós. A excelente reportagem, que ouviu psicólogos, sociólogos e pessoas que estão em constante comunicação, afirma que nos dias atuais é cada vez mais raro vivermos off. Falamos pessoalmente, nos telefones, nas mensagens de celular, na internet e em todas as outras coisas que o meu analfabetismo tecnológico desconhece (graças a Deus!).

Acredito que o momento de polifonia que vivemos é o reflexo da nossa realidade. Andy Warhol já previa os 15 minutos de fama e o mundo levou a sério. Todo mundo tem que fazer barulho. Afinal existe melhor maneira de chamar atenção? Temos que falar, gritar, berrar, sermos vistos, apelar, imitar o que vimos e tentar de alguma maneira lançar moda, tendências, durar mais do que os efêmeros 15 minutos.

Só tentativa. Nessa ânsia toda, quem nos escuta? Não era assim a tal torre de Babel, todos falam, cada um uma coisa, muito se ouve, pouco se escuta, nada se entende... E matamos o que não entendemos, prematuramente até, pois falta tempo de tentar e querer entender.

E o pior de tudo, é que com essa confusão toda, desaprendemos a ouvir, perdemos esse hábito primário e acabamos por não escutar nem a gente mesmo. No final fica o silêncio, mas o silêncio vazio. O silêncio que não nos oferece nem uma conversa com nós mesmo e só mostra o como somos insignificantes.

Thursday, January 15, 2009

Dias felizes

Quinta-feira era dia de almoçar na casa da minha vó. Ela sempre fazia massa pra mim, às vezes a Rafa aparecia, mas o dia oficial dela era na quarta. O cheiro e o gosto da comida da Dona Helga são algumas das lembranças mais fortes que levo comigo. E nunca, nenhuma massa vai ter aquele gosto.

Era dia de educação física na escola, a professora selecionava três alunos que poderiam escolher os colegas que jogariam no seu time. A Vanessa sempre me escolhia, mais por piedade do que por qualquer talento meu com o vôlei. E quando ela me escolhia, me livrava de sobrar e ver o colega que ficava com as sobras, de cara feia. E eu sentia uma satisfação incrível, pois sabia da minha inabilidade.

Verão. Imbé. Minha dinda comprava camarão. Ela e minha mãe faziam o camarão. Meu irmão passava mal, por que o bicho vinha na casca e ele, até hoje, fica mal por causa do cheiro. Meu pai chegava do mercado com as cervejas e os refris. Eu observava tudo, pra lembrar. Pra não esquecer.

Verão de novo, só que anos depois, em Mariluz. Éramos todos adolescentes. Eu, o primo Júnior (que trocava as praias de Floripa pelo nosso litoral, sempre igual), a Jaque, meu irmão, os outros primos (Tiago, Marcelo, Márcio). Os vizinhos. Showzinhos na noite, muitas risadas...

Uma madrugada, depois de passear no centrinho, estávamos sentados na varanda e para um fusca azul lotado de jovens, uma moça pergunta “onde é que eu tô?” O Jú, sem pestanejar, responde “dentro de um fusca azul!” Gargalhadas geral. O fusca azul segue seu caminho, sem saber onde está. A mãe abre a porta e nos manda ir pra cama. Vamos, dando risada.

Não consigo pegar no sono. Tô cansada, mas um cansaço gostoso. Estou em Buenos Aires. Primeira vez que saio do Brasil. Estranho. Bom. Gostoso. Me sinto livre, apesar de ter atravessado só uma fronteira. Lá fora é outra lingua, outra cultura, outros ares e tudo, novidade.

Hoje. Escrevo. Como ontem e, provavelmente, amanhã. É uma maneira de eternizar lembranças, de melhorá-las. De diminuir a solidão, de encarar a rotina e diminuir a monotonia. Imaginar como será, lembrar de como foi e viver de novo. No resto do dia, ou em todos eles, eu observo.

Friday, January 09, 2009

Lágrimas

Havia dias que pensava em escrever sobre como faz tempo que não choro. Teve épocas que eu passava o dia esperando a noite para poder chorar em paz. Ou chorar para ter paz. Eu sinto raiva, eu choro. Eu sinto alegria, eu choro. Eu sinto tristeza, eu choro. Eu sinto saudade, eu choro. Eu sinto medo, eu choro...

E às vezes eu choro só pra ver se o constante nó na garganta passa. Ele passa, mas acaba voltando. Sempre volta. E eu gosto de chorar, alivia a alma. Se dá rugas, não sei, prefiro rugas à uma alma pesada. Ando, de fato, sem grandes nós no peito, embora tenho me preocupado muito com o meu futuro profissional. E fazia tempo que eu não chorava.

E faz tempo que não durmo direito, sem sono, pensando na morte da bezerra e me perdendo na conta dos carneirinhos (eu nunca fui boa com números). E desde criança tenho uma tendência notívaga. Gosto dos ruídos que só ouvimos no silêncio da noite.

Meu quarto é o mais da frente na minha casa, então escuto tudo que se passa na rua. Um sussurro vira um grito, o miado de um gato vira um uivo, um carro que passou a 40km/h se torna um carro que passou voando. Estranho o tamanho que as coisas tem nessa hora.

Durante a noite a gente sente o peso das coisas e, choramos. Ontem o nó na garganta foi pra cama comigo, às 2h 40 da manhã, sem o menor sinal de sono. Deitei e chorei. Chorei como a tempos não chorava, até as 4h da manhã, quando o nó na garganta começou a dar lugar ao sono.

Hoje acordei mais leve e com o motivo do choro na cabeça. Ele tem medo de estragar a amizade. E eu? Eu não vou mais escrever sobre o tempo que eu não choro. Escrevo sobre o nó na garganta que aperta o peito e molha os olhos, enquanto a escuridão da noite faz suas revelações.

Saturday, January 03, 2009

A reforma

Em geral, não gosto de reformas. E essa reforma ortográfica, por favor, ninguém merece! Acho um absurdo ter que reaprender a escrever. Considero a língua um patrimônio da humanidade, que deveria ser intocável.

Sei-lá-quem resolveu mudar tudo para padronizar o idioma português, por causa da globalização. Ótimo, só que dentro do global tem que haver espaço para o local, porque sem isso, perde-se a identidade de uma região. Não acredito que as diferenças na escrita nos países de língua portuguesa sejam tantas para precisar de uma padronização. E essas diferenças se devem ao contexto e a localização geográfica de cada país.

Eu andei pelas livrarias atrás de guia de português já com a reforma. Não achei. Tampouco existem dicionários com o tal padrão. E os livros? Ninguém soube me dizer se as editoras já estão imprimindo com as novas regras. Já pensaram na confusão. Bem por cima, sei que caíram os hífens, os tremas e alguns acentos. Mas não sei quais hífens, nem quais acentos direito. E para piorar, tem as exceções, como sempre.

E como será para quem está sendo alfabetizado agora? Aprende que tal palavra não vai acento, mas ao pegar na biblioteca da própria escola um Monteiro Lobato, tá lá tal palavra acentuada. Se nem os adultos estão gostando e entendo essa tal reforma, imaginem as crianças. E os coitados dos vestibulandos, depois de anos na escola, tem que esquecer das aulas de gramáticas. Não será fácil (não sei se em fácil o acento permanece ou não...).

E para quem lida com a palavra escrita todos os dias? E para os professores que corrigem redações? Quanto tempo eles não iram perder, porque agora não é só corrigir, é corrigir com as novas normas, que eles não aprenderam, diferente de tudo que eles corrigiram até agora.

E falam que isso não vai mudar a maneira de falar. Eu acredito que com o tempo, muda sim. Bóia não tem mais acento. Sabemos como se fala boia, mesmo sem acento, porque aprendemos assim. E as crianças que aprenderão tudo nas novas regras? Falarão boia como se fala sem o acento, até porque elas não vão saber que já houve acento em bóia. Ou os professoras vão explicar que já houve acento e tem que ter uma entonação tal no o de boia? Imaginem quanto trabalho e quanta confusão!

Não sei se isso pega. Sinceramente, gostaria que não pegasse. Por mim, todo mundo que fala português, aqui ou no Timor Leste, se faria de louco e escreveria como sempre escrevemos. Por enquanto, peço desculpas antecipadas pelos erros de português que vou cometer. Afinal, depois de anos na escola e de uma faculdade, ainda não aprendi minha língua mãe.