Wednesday, July 02, 2014

Expectadora


 “Filhos servem de marcadores de tempo escancarados, impossíveis de ignorar, indicando a marcha incessante da vida que de outro modo pareceria um infinito mar de minutos, horas, dias e anos.” - John Grogan, em Marley & Eu


Acredito que uma das coisas mais bacanas de estar vivo é ser expectadora da vida de quem se gosta. O meu primo Júnior é pai. Se tornou pai esses dias. Eu que assisti o Júnior criança, adolescente, estudante, namorado, filho, membro de uma família muitas vezes problemática, agora vou acompanhar, o pai.


Ele é como se fosse meu irmão e se, de fato fosse, poderíamos ser gêmeos, já que apenas três semanas separaram o nascimento de ambos. Sou mais próxima dele do que dos primos que moram na minha rua, talvez o fato de morarmos em estados diferentes seja um dos motivos para nos darmos bem. A distância geográfica trás todo um encanto, ainda mais quando se é criança, férias para mim era sinônimo da visita dos tios e do Júnior.


Então a gente tinha que aproveitar e brincar muito, tudo o que não fazíamos no restante do ano. E sempre tínhamos muitas novidades e assuntos sérios, que iam de como enrolar o Fi e o Marcello ao como desenterrar o cachorro enterrado no quintal. Lembro da gente com uns 7 anos, pensando na área lá de casa, que se o Rio de Janeiro ficava logo depois dos morros que avistávamos (conforme ele afirmava, porque no Rio também tinha morros), por quê a viagem de ônibus era tão longa?


Contava pra todo mundo na escola que meu primo morava onde sempre era verão e tinha artistas como vizinhos. Demorei para entender que o nome dele é Miguel, achava que Júnior era o primeiro nome. Depois na adolescência, quando a vida escancara a realidade na cara da gente, nos divertíamos nas praias e nos Planetas Atlântidas e sabíamos onde o calo da realidade apertava. Perceber os indivíduos da nossa família poderia ter sido uma experiência solitária e dura, mas penso que conseguimos lidar com isso de uma maneira mais leve. Sempre falamos como se fosse uma grande comédia, sem dramas, por mais que eles tenham existido.


Quando ele começou a namorar a pessoa que hoje é a mãe do filho dele, fiquei muito preocupada com a possibilidade de não gostar dela ou ela de mim, porque seria um problema perder o parceiro. Mas isso durou até eu encontrar eles lá na Guarda do Embaú, ela estava com um sorrisão no rosto, aquele sorriso de gente verdadeira e desarmada. Eu tinha acabado de ganhar uma prima, a versão feminina do Jú.


E nestes últimos anos, foi muito bom acompanhar a vida dos dois, faculdade, perrengue com empregos, estada na Irlanda, procura de apartamento, casamento... É bom ver quem se gosta VIVENDO! Não nos distanciamos como acontece com muitos primos, na maioria das famílias. E agora que somos adultos (!) é mais fácil se ver, além de ter as redes sociais, que facilita muito o acompanhar a vida dos outros. E pensar que eu e o Júnior trocávamos cartas! De papel e enviadas pelo Correio!


O melhor é que ainda enxergo nele o meu primo querido que vinha passar as férias em São Leopoldo. Acho possível a gente ter 50 anos e terminar alguma frase dizendo “não conta para a minha mãe.” Uma coisa ótima que essa relação de primos permite é ser sempre meio criança, por mais que o tempo passe. Vamos envelhecer comendo negrinho, planejando férias e rindo dos mais velhos.


E agora tem o San. Lindo, cheio de personalidade, todo durinho, coisa mais amada. Dá um orgulho bobo desses dois, que agora são três, e é impossível não pensar na vida e no tempo... Estive com eles no último feriado e dá para ver que serão uns paizões, que bela família nasceu. Para vocês, meus primos queridos, desejo muita serenidade para aceitar todo o aprendizado e responsabilidade dessa nova etapa da vida.


Para o San, desejo todas as potencialidades presentes no mundo, recheadas de doces, banhos de mar, gargalhadas e a inocência de quem vê o mundo pela primeira vez. Respeito e gratidão pelos pais que ele tem para que nunca deixe de identificar o heroísmo nos seres humanos que o colocaram no mundo. E uma cabeça aberta para aceitar todas as lembranças da árvore genealógica de que ele é herdeiro.


No chá de fralda dele, teve um momento que o meu primo veio com o prato cheio de doces, sentou do meu lado e disse “que loucura, né?” e saiu para resolver alguma coisa de pai e de marido. E o bom de fazer parte dessas vidas é compartilhar a certeza de que essa loucura que é a vida é tão óbvia quanto o fato do Rio de Janeiro ser ali, logo depois dos morros que avisto da minha casa.