Nessas viagens de trem, que tenho feito, às vezes com mais de 5 ou 6 horas, tenho me permitido pensar sobre a minha viagem e como muitas vezes estive alheia a ela. Antes de vir, minha falta de preocupação era absurda e muitas vezes em Barcelona, passava as tardes no Port Vell, sem fazer absolutamente nada. Nem pensar, eu pensava. Ficava lá, apenas esperando o tempo passar.
Eu sempre quis viajar, essa experiência é a realização de um sonho, mas nos últimos meses a vida me surpreendeu mostrando como nossos sonhos podem se tornar menores pertos de certos sentimentos.
Tanto que a melhor coisa que aconteceu na minha viagem, veio lá do Brasil. Um email curto e engraçado, enviado do interior do Rio Grande do Sul. Foi o dia mais feliz, o céu de Barcelona esteve mais azul, o clima mais quente e eu, mais presente, mais consciente das coisas ao meu redor.
Foi também o dia que mais me diverti, li esse email no meio da tarde, aí falei para o Kevin, o americano que morava comigo, e fomos no mercadinho da esquina comprar cerveja pra comemorar meu estado de graça. Era um menino indiano que cuidava desse estabelecimento e depois de cinco anos em Barcelona, o pouco espanhol que falava era misturado com o catalão e o inglês. Mas ele entendeu que eu estava feliz e acabamos nos três sentados no cordão da calçada, bebendo cerveja.
Foi o maior porre, entramos noite a dentro bebendo, no final, até eu já estava atendendo no mercadinho. Algumas cervejas o indiano não cobrou em consideração a comemoração, outras o Kevin pagou em consideração a minha alegria e, outras eu paguei, porque afinal, eu que tinha convidado. Essa foi a minha última noite em Barcelona e a melhor de todas, graças à um email.
Não sei explicar direito, mas o simples fato dessa pessoa, que amo tanto, ter me escrito e ter se preocupado comigo, me tornou mais consciente, mais presente.
Naquela noite, a ficha enfim caiu, eu me dei conta de onde estava, da viagem que estava fazendo, de que uma etapa que tinha se acabado em Barcelona e da outra, que iria começar no dia seguinte.
Até agora, de todas as lembranças que tenho dessa trip, essa é única que quando recordo sinto de novo as sensações daquele dia. Sartre, muitas vezes, defendeu que a gente só guarda na lembrança as coisas que vivemos inteiramente, de corpo e alma e são essas coisas que quando recordadas, nos proporcionam as mesmas emoções. Eu acredito, porque quando lembro daquele email, da alegria que senti, fico feliz de novo, sentada num cordão da calçada, bebendo com um americano e um indiano.
“A formação da lembrança é contemporânea à da percepção; é ao tornar-se representação, no momento mesmo em que é percebida, que a imagem-coisa-sensações tranforma-se em lembrança” (Jean-Paul Sartre, em A Imaginação)
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