Sunday, June 03, 2012

Da capacidade de ter sangue frio

Eu gosto de política, como o mecanismo que legitima ações de alguns atores (sejam pessoas, ONGs, partidos políticos, entidades sociais, sindicais e estudantis) em prol do coletivo. Gosto de pensar sobre isso e qualquer pessoa que entende um pouquinho de política (não precisa gostar) percebe que a possível coligação do PCdoB com o PP é uma aberração política por causa da ideologia de cada partido.

Por mais que o PCdoB seja o mais elitizado dos partidos “ditos” de esquerda, por sempre ter investido em formação para seus lideres e que o PP seja uma sigla bastante popular devido ao grande número de prefeituras que governa, esse cruzamento é uma falta de respeito com a história de cada partido e uma afronta à inteligência dos eleitores. É como querer cruzar um morcego com um peixe.

Apesar dessas incoerências que acompanho diretamente dos bastidores, gosto das informações privilegiadas que eu tenho, da abertura de transitar em setores da sociedade que poucos têm acesso. Tenho cabeça, estômago e profissionalismo para trabalhar com isso e, sangue frio para testemunhar comportamentos tão baixos.

Passei boa parte da minha infância afirmando que seria veterinária, mudei de ideia quando percebi que não bastava gostar de cachorro, gato, papagaio e tartaruga, mas ter sangue frio para lidar com eles nas piores situações. Já na adolescência, queria ser comissária de bordo, o que só durou até eu me dar conta que dificilmente manteria o equilíbrio numa situação de risco, já não mantenho no dia a dia.

Gosto de trabalhar com isso, porque é aqui que encontro todo o tipo de gente, do político corrupto ao idealista solitário; do advogado que enche a boca para se denominar Doutor e não se dá conta que é Phd em alienação; do professor que trocou a universidade para dar aula para o MST e desde então tem que provar que não é marginal ao puxa saco do assessor do político que sempre quer se dar bem; da garota de programa que veste Prada e Hermès ao homem que exige respeito mas não sabe respeitar nenhuma mulher; da moça que se acha esperta e tenta engravidar de algum político, ou rico, ou famoso ao homem otário que engravidou a moça, porque queria desfilar com uma beldade do lado e vai passar a vida se submetendo a chantagens...

É um zoológico, uma hospiciolândia, uma torre de babel, uma arca de Noé com todos os tipos da medíocre, a grandiosa e contraditória espécie humana. Estamos todos no mesmo barco, furado, revezando os remos até o dia do naufrágio, até o dia que o mundo acabe, até o dia que Deus resolver acabar o mundo com o fogo e não água, já imaginaram o dia da fogueira final? Ou até o dia que eu pular do barco. Game over for me!

Por mais que ache natural trabalhar com isso, sei que estou num compartimento da embarcação que reúne os exemplares mais podres da nossa sociedade, os políticos e isso, misturado com o vai e vai do barco, mais as imperfeições humanas, sobrecarregam o meu estômago. Mas eu tenho sangre frio o suficiente para continuar remando, respirar fundo e pensar: “é meu trabalho”.

No meio de tudo isso, fazer trabalho voluntário é uma válvula de escape, uma possibilidade, não só de dedicar o meu tempo e mão de obra a coisas mais leves, penso que faço isso mais por mim do que pelas crianças. Tem vezes que tenho que representar a creche que trabalho em reuniões, geralmente com a Secretaria de Educação ou Assistência Social e eles me mandam, justamente, porque estou acostumada com esse ambiente político.

Só que quem vai nesses encontros é a cidadã e a cidadã não tem o mesmo sangue frio da jornalista. Quando me deparo numa reunião para discutir o que fazer com o vice diretor de uma creche comunitária que leva para casa uma boa percentagem dos alimentos doados para a entidade, não dá pra não me revoltar.

Sei que esse tipo de comportamento baixo e corrupto acontece em qualquer setor da sociedade. E concordo que deve ser baita pepino fazer milagres com um orçamento mínimo que vem de convênios com os órgãos públicos para dar conta de alimentar e tornar possível a educação de centenas de crianças.

Mas considero muito pior quando o corrupto é quem a gente menos espera, é quem conhece a realidade que está roubada, pior, faz parte dela. Políticos não, eles vivem num mundo a parte, grande parte deles já se esqueceram de sua condição humana e priorizam sempre o seu umbigo.

Participar de uma reunião, com secretários do município para discutir essa situação é quase uma inversão de valores: políticos cobrando ética de um cidadão. Posso rir? Alguém vem segurar o meu remo porque eu vou ali assimilar tudo isso e fazer meu estômago entender que nem sempre o homo sapiens se comporta como tal.

3 comments:

Anonymous said...

Bah guria, tu é muito boa mesmo. Leitura bem leve pra um domingo de noite, esse teu texto... Me fez as discussões intermináveis enquanto cobríamos a CPI do Detran. Bj, Nico.

Renata Machado said...

Fez o que Nico?? Mal postei e tu já tá aí. Bjs

Anonymous said...

Rsrsrsrsr me fez LEMBRAR. Lembrei e me emocionei, rsrsrsrs.