Essa reportagem foi feita por mim e pelas queridas colegas e jornalistas Ana Carolina Rodrigues e Roberta Emanuela Lampert. O texto está na edição nº 28 da revista Primeira Impressão, que teve como tema "Comemorações". Aqui o texto está na íntegra.
O primeiro sorriso, o primeiro passo, a primeira palavra, o primeiro aninho; o primeiro dia na escola, o primeiro dez... Esses são alguns dos momentos felizes e empolgantes que acontecem nos primeiros anos de vida de alguém. Depois vem os melhores amigos, o namoro, o primeiro emprego, a entrada na faculdade, o casamento, os filhos e a vida vai se encaminhando, cheia de sonhos, objetivos, metas a cumprir e você se sente meio interrogativo com certas coisas que lhe acontecem, apesar de saber que todas elas, invariavelmente, fazem parte de sua jornada. Existem momentos em que experimentamos sensações tão maravilhosas que parece que estamos flutuando de emoção. Ficamos alegres, risonhos, não cabemos no nosso corpo de tanto contentamento. Sem dúvida, a alegria de viver momentos que nos tiram o fôlego, de sentir o coração pulsando forte ou o corpo tomado de arrepios e sensações gostosas são alguns dos ingredientes que mexem com nossas emoções.
Saboreamos esses efeitos agradáveis constantemente e por esse e outros motivos, tendemos a comemorar. Mas, por que comemoramos?
A professora do curso de Comunicação da Unisinos e psicóloga Susana Gib Azevedo acredita que isso ocorre porque envolve prazer, satisfação, sendo que, em geral, pode se referir a uma meta ou objetivo alcançado. Em verdade, a necessidade de comemorar é aprendida no social e são feitas associações com esses momentos significativos do indivíduo.
Embora seja excitante, extasiante comemorar, existem pessoas que reagem a diversas situações da mesma maneira: ficando inertes. Segundo a psicóloga, isso pode ocorrer quando as pessoas não foram estimuladas a comemorar ou quando interpretam as situações e acontecimentos como obrigações e não como conquistas. Ela afirma que o aspecto sócio-cultural influencia comportamentos, porém, não se pode esquecer que as pessoas têm diferenças individuais em diversas dimensões, conforme processam as informações recebidas.
Não é difícil encontrar pessoas que aparentam ser apáticas com as situações que se passam em suas vidas, que parecem não sentir, não se importar. Contudo, conforme explica Susana, cada pessoa comemora do seu jeito. No entanto, emoções são inerentes ao ser humano e qualquer situação ou fato pode promover emoções que motivam o indivíduo. É preciso ressaltar também que há várias formas de extravasar, não somente através de comemorações.
Um pouco de história
Esses ritos, além de marcarem uma conquista ou um momento na vida de um indivíduo, são muito mais importantes do que imaginamos, pois retratam a identidade cultural de uma sociedade e revelam muito de seu povo. Acredita-se que as comemorações iniciaram com os povos antigos que cultivavam o hábito de louvar a chegada da colheita, comemorando. Também comemoravam a troca das estações, pois as consideram mudanças de ciclos, importante para uma colheita farta. Desde então, para muitos, comemoração é sinônimo de objetivo alcançado. As bruxas também comemoravam os ciclos da lua e festejam com a natureza, o simples fato de viverem.
O Brasil sempre foi apontado como um povo festeiro. Apesar de suas mazelas, os brasileiros não abrem mão de comemorar e festejar, prova disto é o carnaval, que mobiliza o país inteiro e transforma todos em foliões. E ao longo da história, o Brasil, assim como o mundo, sofreu grandes transformações. Passamos pela monarquia, república, encaramos uma ditadura, até chegarmos na atual democracia, porém, nunca deixamos de comemorar.
Fora as tradicionais datas festivas, comemoradas no mundo inteiro, buscamos comemorações próprias, que resgatem a nossa história e nos devolvam sentimentos muitas vezes enfraquecidos, como o patriotismo, sempre exaltado na Semana da Pátria e em época de Copa do Mundo. O historiador de Canoas Marcelo Demetrio cita a comemoração dos 500 anos do Brasil como um grande fato que teve muitas influências, tanto na área política quanto na cultural, pois foram realizados eventos alusivos à data em todo o Brasil. Segundo ele, o pai das comemorações e dos festejos do país foi Getúlio Vargas. “Provavelmente se não fosse pela influência do governo Vargas não faríamos comemorações em nosso país”, declara.
Além disso, Demétrio destaca que as comemorações estão diretamente ligadas a dois marcos políticos da história do país no período de 1930 a 1964. “Entre a década de 30 e 50 o presidente da República, o gaúcho Getúlio Vargas com sua política nacionalista e ditatorial, inclui as políticas culturais e educativas. Existia a disciplina de Moral Cívica nas escolas, que tinha como objetivo instruir os alunos a dar um significado para as grandes façanhas da história do país. Seu governo foi um dos mais longos do Brasil. Ele conseguiu fazer com que os alunos dessa década fossem educados de uma forma bem diferente dos dias de atuais, dando mais valor para a história”, conclui.
Mitologia
As comemorações além de marcarem a história de um país, também servem como marco na vida pessoal dos seres humanos, que sempre procuram dar um sentido especial
à vida e eternizar momentos e conquistas. Para o professor de História de uma escola de Porto Alegre Gilson Gruginskie, a existência humana necessita de justificativas que respondam a imprevisibilidade da vida. Gruginskie faz uma comparação com o mito de Ariadne.
Conforme a mitologia, Teseu, um jovem herói ateniense, sabendo que a sua cidade deveria pagar a Creta um tributo anual, com sete rapazes e sete moças, para serem entregues ao insaciável Minotauro, que se alimentava de carne humana, solicitou ser incluído entre eles. Em Creta, encontrando-se com Ariadne, a filha do rei Minos recebeu dela um novelo que deveria desenrolar ao entrar no labirinto, onde o Minotauro vivia encerrado, para encontrar a saída. Teseu adentrou o labirinto, matou o Minotauro e, com a ajuda do fio que desenrolara, encontrou o caminho de volta.
“O novelo de Ariadne é repleto de expectativas, assim como a vida. Como os fios que serviram para desvendar os caminhos do labirinto, a humanidade desenvolve linhas de questionamentos que denunciam uma trilha de um percurso temporal. Realiza perguntas do presente sobre o passado, virando-se para trás com olhares que já determinam uma leitura de um mundo que nunca houve. Assim, constituímos mitos fundadores de sociedades, etnias e culturas”, acredita. Para ele, festejar é um rito que fornece significação, constrói uma memória e sustenta as utopias de cada um. “Mais que uma história oficial, as comemorações de datas ou acontecimentos estabelece os nexos necessários para o fortalecimento de identidade”, completa.
O primeiro sorriso, o primeiro aninho, o primeiro dia na escola, o primeiro dez, uma viagem com os amigos, o namoro, o primeiro emprego, a entrada na faculdade, a formatura, o casamento, o aniversário dos filhos... São momentos especiais na vida de qualquer pessoa, que se tornam ainda mais especiais quando festejados com uma comemoração histórica. Comemorações que dão sentido para a história pessoal de qualquer indivíduo e, coletivamente, dão sentido para a história do mundo.
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