Monday, February 01, 2016

José e João

José e João cresceram juntos. Tem o mesmo sobrenome, Silva, quando crianças moravam na mesma rua numa cidade do interior. Dividiram brincadeiras, merendas, xingões de professores, descobertas e inquietações da adolescência, conquistas amorosas, porres e festas.

Decidiram juntos ter a mesma profissão e foram cursar jornalismo na capital, onde dividiram um quarto numa pensão, mesas de bar, rodas de violão e mais conquistas amorosas. Juntaram grana para a festa de formatura e planejaram uma carreira brilhante. José é João nunca brigaram, nem por um ser gremista e o outro, colorado. Até que o jornalismo dividiu o caminho dos amigos.

Os dois se tornaram referência na área, seguiram estudando e hoje dão aulas em grandes faculdades do Brasil. José fez carreira nos principais veículos de comunicação da mídia tradicional. Escreveu para os maiores jornalões do país, foi correspondente internacional e fez doutorado em marketing nos Estados Unidos. Aprendeu a ver a notícia como um produto. Dizem que cobra caro para dar palestras em universidades privadas ou para empresários que gostam de ouvir como a mídia é subserviente.

Desde a faculdade, João trabalhou com os meios alternativos. Fez carreira escrevendo para ONGs, sindicatos, movimentos sociais e pastorais de igrejas. Implantou a Rede Brasil de Comunicação Popular que engloba programas em rádios comunitárias, uma revista e um jornal que devido aos poucos recursos financeiros não tem a tiragem que gostaria, mas investe pesado no portal de notícias da internet. João é dono do blog mais lido do país e fez doutorado em Sociologia da Comunicação, na França. Aprendeu a reconhecer o que há oculto em cada notícia. Quando dá palestras para o seu povo, fala sobre uma comunicação livre, poderosa e revolucionária. Dizem que cobra apenas a passagem.

João percorre o país defendendo a democratização da mídia, o fim dos monopólios e a criação de um conselho nacional de comunicação. José, quando indagado sobre o assunto é taxativo: isso é censura! Seguidamente, eles trocam farpas públicas sobre as ideias que defendem. Outro dia, o grande grupo para qual José trabalha, demitiu dezenas de colegas e coube a ele dar explicações para a turma do sindicato, liderados por João, que protestava em frente ao prédio.


Quando eles se encontram em algum evento social não se olham, não se cumprimentam e não se conhecem. Todos pensam que são inimigos, mas nos momentos em que cada um relembra sua trajetória e recordam com saudade os meninos que foram, se perguntam em que momento o amigo, tão inteligente, se perdeu.

Conto publicado no livro "Caminhos da imprensa Rio-Grandense"

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