Ele senta constrangido em frente ao homem alto e careca. Não
sabe se o chama pelo nome ou por doutor. Para quebrar o gelo, o médico pergunta
o que lhe traz ali. Fui indicado a procurar terapia, mas acho que houve um engano,
eu não preciso de psiquiatra... Me fale de você, indaga o médico. Tenho uma
vida bastante normal, sou o mais certo da minha família... Então me fale como é
a sua família, induz o terapeuta. Ele encara o médico, suspira longamente e
começa.
Ah doutor tem de tudo, gay, lésbica, crente, maconheiro, velhos
hippies que parecem que chegaram do Woodstock
ontem e até político, mas todos trabalhadores, boas pessoas. Meu cunhado
artesão, vive de vender em feiras, estava tão chapado que confundiu Ijuí com
Chuí e atravessou o estado para o lado errado. Não achou a feira, mas ao expor
os brincos de arame que ele faz, conheceu a sua esposa.
Minha irmã Cristina sempre deu trabalho para a família.
Quando casou, achamos que fosse se aquietar, mas já no casamento houve o buxixo
que ela havia se encantando com o irmão mais novo do noivo, que morava no sul
de Minas. Não deu outra, depois de 10 anos casada com o Gabriel, dois filhos e
uma vida aparentemente feliz, ela fugiu com o Micael, o irmão caçula, numa das
férias que passou em Minas. Só deixou um bilhete, dizendo que antes de alguém
criticá-la, devemos lembrar que ela terá direito à herança duas vezes. Pensa a
confusão na cabeça dos meus sobrinhos.
Mas pior ainda, acho que é minha filha. Estudava Engenharia,
estava quase se formando quando largou tudo. Foi morar na Guarda do Embaú e cursar
astrologia. É uma boa pessoa apesar de não comer carne e ser meio distraída,
esquecida... Meu filho afirma que é por causa dos chás que ela toma. Ah, meu filho
nasceu prematuro, mirradinho, mas vingou. É um rapagão com quase 100 quilos,
tatuado, usa jaqueta de couro com rebites, camiseta do Marx e canta no coral da
igreja do bairro.
Não entendo essa gente, isso que não citei nem um terço da
árvore genealógica. E entendo menos ainda por que eu, logo eu, preciso de
psiquiatra. Deve ser porque Deus perdoa
e Freud explica, não é doutor?
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