Wednesday, January 11, 2012

Mano







Há 24 anos, eu ganhava um irmão e lembro exatamente do dia que meus pais chegaram do hospital com ele. Assim como recordo perfeitamente uma noite que faltou luz e ele acordou desesperado, gritando que estava cego. Da mesma maneira, que nunca vou me esquecer dele segurando três bolsas, duas mochilas e um balão, debaixo de chuva no meio do Beto Carreiro.

Meu irmão com todas as suas tatuagens e piercings ainda conserva uma ingenuidade rara nos dias de hoje, quase infantil. Ele não gosta de nada que lhe tire do caminho, da rota, da rotina, do planejado. É maniático com organização e hipocondríaco. Sempre quis casar e ter filhos, sempre namorou sério. É uma pessoa bem diferente de mim.

E sempre foi assim, às vezes vem, me pergunta alguma coisa, coça o cavanhaque, diz “é mesmo, mana?” e sai pensativo. Posso falar a coisa mais séria do mundo ou a maior bobagem, que a cena se repete. Apesar disso, meu irmão mudou muito no último ano, aprendeu a ler, mais que isso, aprendeu a gostar de ler.

Estudar nunca foi o forte dele, nunca pensou em faculdade, mas fez uns cursos do SENAI, conseguiu um bom emprego, está lá até hoje e se a vida segue mansa, pra ele está bom. Eu estava viajando quando a mudança ocorreu. Sei que começou lendo a Bíblia, um dia recebi um email da mãe falando “teu irmão está fazendo a festa com teus livros”.

Quando voltei, me deparei com um leitor voraz e lê coisa boa o menino: Marx, Voltaire, Rousseau, Durkheim, Nietzsche, Boaventura, Gramsci... Ah, é muito bom ver alguém se desalienando, além de ter uma pessoa dentro de casa para conversar sobre isso.

Às vezes ele vem, entra no meu quarto, pergunta se tenho algum polígrafo da pós sobre determinado assunto, lê, a gente conversa e ele diz “é mesmo, mana?” e sai pensativo, do mesmo jeito que fez a vida toda e que eu espero, faça até um de nos morrer.

“É mesmo, mana?” é a bússola de todo irmão mais velho. É o que dá sentido, é a minha chance de responder. Eu posso nunca ter para quem perguntar, mas sempre vou ter quem vai procurar as minhas respostas.

Quando a mãe chegou com o mano do hospital, eu sai correndo e ali naquele instante, ele saiu correndo atrás de mim.

3 comments:

Juliana Borges de Almeida said...

Ai que lindo Rê...um dos melhores post...parabéns para seu irmão.

Liziane said...

Puxa Renata, que história bacana.
De fato as aparências enganam mesmo...
beijo
Lizi

Tiago S. Favin said...

Muito legal esta historia,é isto ai tudo vem com o tempo.
Abraço!
Tiago S. Favin