Monday, January 24, 2011

O gato por dentro




Quando eu voltei de Santa Maria, na manhã seguinte da minha morte, tinha um homem, um Policial Militar sentado do meu lado. Ele percebeu o meu choro contínuo e por vezes, alto.

Logo que ele se sentou, tirou um livro da mochila, O gato por dentro. Um livro pequeno no tamanho, no número de páginas, nos capítulos. Uma obra fácil de ler nas quatro horas que duraria a viagem, mas ele não conseguiu, não deve nem ter passado da metade. Ele ficava vários minutos olhando para a mesma página e ouvindo o meu choro.

Várias vezes, ele me ofereceu o livro. Noutras, lia para mim, uma ou outra parte e me olhava e desistia e voltava a olhar para as páginas, sem ver. Apenas no viaduto que dá acesso a rodoviária de Porto Alegre, que o homem falou comigo. Disse que o autor do livro, William Burroughs, tinha sofrido muito, mas que conseguiu reverter isso e escreveu obras primas. Eu respondi que não conhecia esse escritor e que não gostava de gatos, muito menos, de livros sobre gatos.

O fato é que eu tinha certeza que nunca ia me esquecer desse livro, nem da capa, nem dos trechos que aquele homem lia para mim, embora não lembre do rosto dele e nem ter movido uma palha para achar esse livro.

Na madrugada do último sábado, estava pegando uns livros da Fabi, no quarto dela. Já tinha selecionados uns dois, quando ela puxa um da pilha e fala “esse é ótimo, tu vai adorar!” Era O gato por dentro e na hora meu porre passou. Fiquei de cara. O gato de olhos verdes, desenhado na capa, me encarava enquanto eu sentia o nó na garganta apertar. Expliquei para a minha amiga que já nos conhecíamos e contei a história.

Agora, esse livro está aqui na minha frente, ao lado do monitor do computador. Faltam poucas páginas para eu terminá-lo, mas às vezes demoro muito, fico olhando perdida para uma mesma página, ouvindo um choro de dois meses atrás. Pensando sobre esse pequeno livro, lembro que ele me velou, o gato foi minha única testemunha e agora, voltou, trazendo flores para o meu túmulo.

“Uma esperança. Uma chance. A oportunidade perdida. A esperança morrendo. Um grito que persegue o único que pode ouvi-lo quando já está longe demais para ser escutado, uma tristeza dolorosa e arrebatadora. Este é um sofrimento sem testemunhas. ... Esse sofrimento pode matar.” (O gato por dentro, William Burroughs)

Wednesday, January 19, 2011

Tatuagens

Eu tenho mais tatuagens do que anos de vida. São 13 estrelas, quatro frases, seis borboletas, uma fada, uma lua, um sol, o símbolo do infinito e a palavra liberdade. Não me imagino sem elas, muito pelo contrário, penso em fazer mais. Provavelmente, as próximas serão o Pequeno Príncipe, no braço, e o Yin Yang, na nuca.

A primeira, a fada, eu fiz alguns dias antes de completar 15 anos, foi presente de aniversário e minha mãe me acompanhou até o estúdio. Meus pais não têm tatuagens e meu pai, nem gosta muito, mas eles nunca me proibiram de fazer. E eu nunca tive problema nenhum por causa delas.

Desde criança me imaginava com tatuagens, sempre achei lindo, seja em homem ou em mulher. Claro que tem alguns desenhos que eu não faria, mas isso vai da pessoa... Por isso, acho absurdo que no mundo que vivemos ainda haja esse tipo de preconceito. Fico pensando se há alguma atividade que uma pessoa tatuada não possa executar, por influência da tatuagem, e não identifico nenhuma.

Tem gente que diz que é agressivo. Novamente, vai de cada um, mas penso que há coisas como a violência gratuita, os casos de pedofilias, a impotência do serviço público diante da imposição da natureza, que agridem muito mais do que desenhos e cores na pele alheia.

Se existem ainda alguns redutos profissionais que não aceitam, de modo algum, a tatuagem, aí cabe à pessoa decidir se irá se tatuar ou não e, arcar com as conseqüências.

Agora, no caso dos salva vidas que desencadeou toda essa discussão, acho absurdo, beirando o ridículo. Tem lugar melhor para exibir as tatuagens do que a areia da praia? E há melhor lugar para um dragão tatuado do que o braço de um salva vida sarado?

Thursday, January 06, 2011

Histórias de novela

Nunca fui das mais noveleiras, mas como no Brasil basta ler as capas de revistas para a gente saber o que acontece nas novelas, sempre sei o que se passa. Algum tempo atrás eu costumava caminhar de tardezinha, aí até chegar em casa, tomar banho, comer... Eu só dava uma olhada na novela das 20h, que começa às 21h.

Agora como não tenho feito nada de útil na minha vida e cansei até de caminhar, tenho olhado mais assiduamente as obras primas da Rede Globo e é incrível como em todas tem várias histórias de amor ditas como impossíveis. Na Araguaia, a que menos acompanho, sei que tem um triângulo amoroso entre o mocinho, a mocinha rica e uma índia que sofre pra caramba.

Na outra, a Tititi, tem a adolescente que perdeu a virgindade e se apaixonou pelo galinhão. Tem a modelo que largou o namorado para seguir a carreira, mas ainda morre de amores por ele. Tem uma loirinha apaixonada por um rapaz comprometido com uma moça que trata ele mal. E o cara que brigou com a namorada, passou meses em Londres e acabou voltando porque não conseguia esquecer a guria.

E a Passione então? O que é o velhinho que passou mais de trintas anos amando a mulher que abandonou ele no altar? E eles se encontraram anos depois em outro país. E tem a italianinha, garota de programa, que atravessou o oceano para encontrar o cara que ela ama. A Felícia que passou anos fechada para a vida, amando seu primeiro e único namorado, eles também se encontraram anos depois e estão tentando continuar... E Melina que a vida toda amou o Mauro, viajou, voltou, casou com outro, separou, aprontou horrores só para ter uma chance com ele.

Essas são apenas as histórias que eu lembro. Na Malhação deve ter mais um monte de exemplos desse enredo, versão teen. Nas novelas do SBT, Record, Band, nas mexicanas, nas que acabaram e nas que virão, também. E é claro que todos vão acabar bem e felizes para sempre, nas novelas todo mundo acaba junto de quem se ama.

Por mais idiota que seja, me dá um aperto no peito quando assisto essas cenas. Minha história daria um bom enredo de novela, mas infelizmente é vida real e na vida real nem sempre o final é feliz.

Monday, January 03, 2011

Foi só um sonho

Na primeira noite de 2011, quer dizer, primeiro dia, porque fui dormir depois que o sol já tinha nascido, tive um sonho lindo. Sonhei que estávamos eu, a Daiani (a outra jornalista da CUT) e alguns dirigentes da Central em algum lugar que eu não sei qual é, para cobrir um ato, uma manifestação, uma reunião ou sei lá o que...

Os dirigentes entraram em uma sala e quando eu olhei para dentro dessa sala, ele estava lá, lindo, com o uniforme do Instituto Geral de Perícias. E no sonho eu pensei em como ele é perfeito. Aí ele veio na minha direção, já sem o uniforme, mas com uma camiseta azul que realçava a pela morena dele.

Ele sorria. Aquele sorriso que eu tanto amo, porque o deixa com ares de menino. Enquanto ele vinha, eu sentia meu coração saltar pela boca. Então ele me abraçou e ficamos abraçados o sonho todo, às vezes, mudávamos de posição, mas não nos desgrudávamos. E fazíamos carinho um no outro. Às vezes, a Daiani vinha, falava alguma coisa com a gente e nós ríamos muito. Estávamos felizes.

Mas o sonho não tinha som. Ao menos não enquanto ele estava comigo, ali o sentido principal era o tato. Porque eu sentia o calor da pele dele, a espessura da camiseta, o suor no pescoço quando eu mexia minha cabeça... Não sei quanto tempo durou o sonho, mas o abraço durou mais da metade do sonho. Até na hora que ele explicava alguma coisa sobre a máquina fotográfica do serviço, eu estava colada nele...

Nisso apareceu um dos secretários da CUT, chamando a imprensa. A gente se despediu, ele me beijou e desejou bom trabalho. Eu e a Daiani entramos para cobrir o ato, a manifestação, a reunião ou sei lá o que... O sonho acabou e eu ainda dormi mais um pouco.

Quando acordei, assustada, não lembrava onde estava (na casa de praia de uma amiga). Mas ainda podia sentir ele e logo comecei a chorar de saudade quando me dei conta que fora só um sonho. Sonhar com quem se ama assim é tão bom e tão cruel.

Se é verdade que nos sonhos os espíritos se encontram, eu tive o melhor sonho que eu poderia ter, porque nem que seja em outro plano, a gente esteve junto e ele estava feliz. E eu passei o dia com o peito apertado de saudade. Lembrando desse abraço tão real, mas que nem aconteceu.

Será que ele também sonhou comigo? Será que a Daiani sonhou com nós? Será que o abraço foi de despedida ou reencontro? Não sei... Só sei que ganhei o melhor abraço de ano novo que poderia ganhar e desde então, quando deito na cama e fecho os olhos, lembro dele vindo, lindo e sorrindo, na minha direção. Vai que eu tenha sorte e um dia desses, ele venha de novo, me abraçar.

“Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la.” Clarice Lispector