Friday, July 18, 2008

Suave com a pronúncia de um D

Sempre falei pouco e quando era criança falava muito errado. Além de demorar para começar a dizer algumas palavras, minha vó tentou me ensinar alemão. O que resultou numa criança que não conseguia pronunciar o R nos meio das palavRas, nem o pl, pr, gr... Trocava o D pelo T, o V pelo F, o B pelo P... Só pronunciava o que era mais forte, isso tem um nome complicado que eu não me lembro qual é.

Quando minha vó morreu eu tinha só 6 anos, nunca mais tentei falar nada em alemão, já era a chacota preferida dos meus coleguinhas da 1ª série e o pior de tudo, isso estava começando a me atrapalhar. Eu pensava que nunca iria namorar, nem trabalhar, nem nada por causa disso. Lembro até hoje, que às vezes nem minha família entendia o que eu queria falar. Odiava ir no armazém, pois sempre pediam para eu repetir o que eu queria, não sei se era só por maldade ou porque realmente não entendiam.

Aprender a ler foi uma tarefa árdua, mas escrever foi pior ainda. Eu escrevia como falava, assim: em totas as minhas retações no coléxio eu tiafa notas paixas por causa dos erros de portuquês. Paa compensar tentafa capichar na históia. Imachina que popema!!! A minha melhor amica, a Chaque me achudava um monte e sempe me oufia, por pior que fosse oufir alquém falanto assim.

Perdi a conta de quantos anos fui em fonoaudiólogas. De quantas vezes lia em voz alta e gravava para comparar com a fala de outra pessoa. Quantos exercícios eu fiz que deixavam minhas bochechas doendo. Se eu falasse pa-lan-ta, um dia falaria planta... Quantas vezes me escondia no recreio só pra não ouvir ninguém em chamando de "língua enrolata". Quantas vezes rezei para não precisar apresentar o trabalho na frente da turma toda. O mais estranho é que eu sempre gostei de ler e escrever.

Com 8, 9 anos eu já tinha me acostumado com tudo isso e não imaginava que o pior ainda estava por vir. Na 6ª série troquei de colégio, estava com 11 anos, continuafa falanto tuto errato, mas ao menos tinha consciência disso e já não escrevia como falava. Me tornei uma excelente aluna em português! Só que com o colégio novo, veio um monte de colegas pré-adolescentes. Nossa que tortura, tudo de novo, só que em proporções maiores. Ainda bem que a Jaque tinha ido para o mesmo colégio que eu. No primeiro trabalho que tive que apresentar no novo colégio, pedi para ela avisar a professora do meu problema. Apresentei o trabalho e vi 30 e tantos coleguinhas passarem cinco intermináveis minutos vermelhos de tanto segurarem o riso.

Eu não lembro exatamente quando comecei a falar corretamente, mas lembro quando eu percebi isso. Eu tinha 14 anos, era sábado de tarde eu estava no pátio da minha casa e falei alguma coisa do meu tio Daniel para a minha mãe. E quando eu disse DANIEL, eu senti direitinho (como até hoje sinto!) aquele D foi tão suave, leve. Saia do céu da boca e não dos dentes como o T. DANIEL, DANI, DÃ... DÃ. Repeti várias vezes, baixinho e assim, suave!

Nessa época eu já tinha vontade de ser jornalista, embora achasse isso impossível. E seria no mínimo irônico eu escolher uma profissão onde tivesse que escrever, entrevistar, me expor... Foi morrendo de medo que marquei um X no jornalismo quando fiz a inscrição para o vestibular.

Sinceramente, não tenho raiva de ter falado assim, acho engraçado, rendeu boas lembranças e algumas confusões. Tá, meus pais gastaram horrores com fonos e psicólogos e ser a piada da turma não é legal (crianças e pré-adolescentes são cruéis quando querem ser!). Hoje, ainda sou a “alemoa batata” da família e entendo que é normal do ser humano excluir e rir do que é diferente. Mas esse saborzinho de vingança que eu sinto quando lembro dos meus coleguinhas rindo, é inevitável. Afinal eu tenho uma profissão que é a prova de uma superação e apesar de ser um ofício que eu amo, enfrentei alguns bons fantasmas para aceitar o desafio.

Eu não sei o que a maioria desses coleguinhas estão fazendo da vida. Sei que eu estou realizando um sonho e vingança pode ser uma palavra muito forte, até porque não há motivo para me vingar. Mas não encontro palavra melhor. E é uma vinganzinha que não faz mal a ninguém, é leve e suave como a pronúncia de um D.

1 comment:

Miguel Jr said...

Rsssss!

Poxa Rê isso também me rendeu boas lembranças, até hoje minha mãe me chama de "Nuno" acredita!? Ela diz que tu me chamava assim. E eu adoro.
Ah! Também tive alguns problemas na minha vida estudantil (e as vezes ainda tenho), primeiro por que era gordo e depois por causa do problema na vista. Aparecer na TV pra mim é horrível, tirar foto 3x4 é um castigo, etc. Mas, provamos que podemos superar e que o nosso cerébro é bem mais potente do que muitos modelinhos que encontramos pela vida! Bjos