Às vezes eu tenho certeza que eles são amigos íntimos e ficam rindo da minha cara o tempo todo. Tá, eles podem até não concordarem um com o outro, mas que tiram uma onda legal da minha cara, ah tiram! E eu sempre escuto as risadinhas no meu ouvido. O pior é que um deles, sempre tem razão.
Quando estava na pré-escola e chorava o tempo todo no portão da escolinha já ouvia eles. O anjinho: “Não chora, teu pai já vem te buscar.” E o diabinho: “Chora, chora muito, que tu chama a atenção e ainda faz a caridade de atrapalhar a aula dos outros.” “Não diz isso. Ela tá chorando porque se sente sozinha”. “Que nada, ela tá chorando porque foi chamada de língua enrolada. Ou melhor de líncua enrolata!” E assim a coisa seguia, eu chorava e eles, os coleguinhas e até os vizinhos da escolhinha, riam.
Mais tarde, em festas de famílias. O anjinho: “Fica mais um pouco, tu tá gostando.” E o diabinho: “Isso aqui é medíocre. Nunca se esqueça: você não gosta de coisas medíocres!” “Fica, se diverte. Teus pais tão gostando. Melhora essa carinha!” “Boa menina, já tá todo mundo perguntado o que você tem!” Assim eles seguiam e assim eu acabei com muitas festinhas de família.
Na adolescência. O anjinho: “Aceita o convite pra festa.” E o diabinho: “Lá vai ter um monte de gente e você não gosta de gente, de tumulto...” “Vamos, vai ser bom. Quem sabe você até beije na boca.” “Ótima piada! Ela beijar na boca, hahahahaha.” Assim eles seguiam, assim o tempo passou e não me lembro de muitas festas na adolescência, nem de muitos beijos.
Hoje em dia. O anjinho: “Pra quê tu vai fazer isso, se amanhã ele não vai nem olha na tua cara.” E o diabinho: “Porque ela gosta, porque sexo é bom”. “Não faz. Tu sabe que depois só fica o vazio”. “Que vazio?! Se tá vazio, dá de uma vez!” Depois, além do vazio, tenho que agüentar a discussão deles e a ânsia por um telefonema que eu sei, nunca vem.
Sempre é assim. Eles ficam fazendo cabo de guerra comigo! Na psicóloga é uma loucura, cada um fala mais que o outro e o que eu precisava dizer, sempre fica para a próxima sessão. De noite, eles falam, falam, falam, eu penso, choro, escuto, choro, penso, escuto, choro e choro, só não durmo. Acordo péssima e quando me olho no espelho, adivinha: mais vozes, mais discussão, mais opiniões contrárias.
Nesse momento eles estão em pé de guerra. O anjinho: “Tua mãe tem razão, tu escreve muito bem.” E o diabinho: “Ai, Teu Deus, escreve nada. Só se acha!” “Fica quieto, escreve sim, tem talento.” “Talento!? Adoro tuas piadas! Isso tá uma porcaria. Tu sabe né, guria? Para de escreve e me escuta!” “Isso, escreve, escreve e não dá bola...”
Assim eu vou escrevendo e escutando esses dois que saíram sei-lá-da-onde e vão me acompanhar até-não-sei-quando. Depois, daqui um tempo, a gente vai se abraçar, como velhos amigos, olhar para isso tudo e dar muita, mas muita risada. Teve um deles, não lembro qual, que falou: “Se não pode com o inimigo. Junte-se a ele.” É o que faço e assim, ora ouvindo um, ora ouvindo o outro, eu dou boas risadas. O máximo que pode acontecer é eu acabar louca, rindo sozinha.
1 comment:
É Rê! Descobri esses dois também. E como falam. Ultimamente tabém tem me deixado louco, não sei mais o que faço. Mas o jeito é conviver com eles. "Vida louca vida, se eu não posso te levar, quero que você me leve". Bjos
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