Mesmo adulta, Iara ficava a
vontade sentada numa mesa para crianças e aquilo me intrigava muito. Não sabia
se eu crescia e ela encolhia, mas ficávamos do mesmo tamanho. A sala era toda
colorida e com muitos brinquedos, cheia de estímulos para as crianças, embora
eu não percebesse isso com os meus seis, sete anos de idade. Às vezes, pensava
que eu ia lá apenas para brincar, até perceber que mesmo nas brincadeiras
estava sendo avaliada.
Morena, com os cabelos pelos
ombros, tinha os ares da minha mãe, o que me dava segurança. Lembro da maneira
como mexia os lábios, pronunciando devagar as palavras. Ainda posso vê-los como
se fossem imagens em câmera lenta de um filme mudo: pa-lan-ta, pa-lan-ta, até a
pa-lan-ta virar planta.
Iara foi a minha primeira
fonoaudióloga e me acompanhou por anos. Às vezes gostava dela, noutras, a odiava. Muito mais do que
sentimentos ambíguos, foi dentro de um consultório que tive o primeiro contato
com a escrita e os seus mistérios.
Se na escola precisava enfrentar
as risadas dos coleguinhas e muitas vezes, o despreparo das professoras. Ali me
dei conta que era mais fácil lidar com as palavras escrevendo. Gostava daquele
alfabeto de borracha com letras coloridas, o R tinha um dos lados descascado, o
A era de um vermelho desbotado e o Z parecia mais novo, talvez por falta de uso.
Lembro que eu gostava de observar
o mosaico colorido que as letras formavam e da sensação boa quando eu acertava
uma palavra, geralmente seguida pelo pânico que me dava quando eu tinha que
falar. Porque oralmente, o R não saia, o V e o D não existiam e o J sumia.
Com o tempo, as sessões e o medo
das palavras foram diminuindo. O tio Dani deixou de ser Tani, o R passou a
sair, a pa-lan-ta virou planta e eu não precisava mais fazer malabarismo para
fugir das palavras que eu não conseguia pronunciar. A Iara ficou na lembrança, uma das mais
intensas da minha infância, mas da qual não me recordo nem o sobrenome.
Os anos também trouxeram elogios
pelas redações que escrevia no colégio e a certeza de que eu só seria feliz se
trabalhasse com algo em que fosse possível contar histórias. Já fiz muita
terapia para superar o medo de falar, já perdoei o bullying dos coleguinhas e as minhas inseguranças. Mas não me
perdoo por não conseguir lembrar da voz de Iara.