Wednesday, March 30, 2016

A voz de Iara

Mesmo adulta, Iara ficava a vontade sentada numa mesa para crianças e aquilo me intrigava muito. Não sabia se eu crescia e ela encolhia, mas ficávamos do mesmo tamanho. A sala era toda colorida e com muitos brinquedos, cheia de estímulos para as crianças, embora eu não percebesse isso com os meus seis, sete anos de idade. Às vezes, pensava que eu ia lá apenas para brincar, até perceber que mesmo nas brincadeiras estava sendo avaliada.

Morena, com os cabelos pelos ombros, tinha os ares da minha mãe, o que me dava segurança. Lembro da maneira como mexia os lábios, pronunciando devagar as palavras. Ainda posso vê-los como se fossem imagens em câmera lenta de um filme mudo: pa-lan-ta, pa-lan-ta, até a pa-lan-ta virar planta.

Iara foi a minha primeira fonoaudióloga e me acompanhou por anos. Às vezes gostava dela,  noutras, a odiava. Muito mais do que sentimentos ambíguos, foi dentro de um consultório que tive o primeiro contato com a escrita e os seus mistérios.

Se na escola precisava enfrentar as risadas dos coleguinhas e muitas vezes, o despreparo das professoras. Ali me dei conta que era mais fácil lidar com as palavras escrevendo. Gostava daquele alfabeto de borracha com letras coloridas, o R tinha um dos lados descascado, o A era de um vermelho desbotado e o Z parecia mais novo, talvez por falta de uso.

Lembro que eu gostava de observar o mosaico colorido que as letras formavam e da sensação boa quando eu acertava uma palavra, geralmente seguida pelo pânico que me dava quando eu tinha que falar. Porque oralmente, o R não saia, o V e o D não existiam e o J sumia.

Com o tempo, as sessões e o medo das palavras foram diminuindo. O tio Dani deixou de ser Tani, o R passou a sair, a pa-lan-ta virou planta e eu não precisava mais fazer malabarismo para fugir das palavras que eu não conseguia pronunciar.  A Iara ficou na lembrança, uma das mais intensas da minha infância, mas da qual não me recordo nem o sobrenome.

Os anos também trouxeram elogios pelas redações que escrevia no colégio e a certeza de que eu só seria feliz se trabalhasse com algo em que fosse possível contar histórias. Já fiz muita terapia para superar o medo de falar, já perdoei o bullying dos coleguinhas e as minhas inseguranças. Mas não me perdoo por não conseguir lembrar da voz de Iara.


Monday, March 07, 2016

Oficinas literárias

Por muito tempo que achava que fazer uma oficina literária era podar a criatividade, doutrinar vocação ou coisa que o valha. Porém, tem tempo que faço dança e perdi a conta de quantos cursos e workshops fiz nestes anos todos e isso nunca me podou em nada, pelo contrário, percebi o quanto a técnica é importante para ajudar o talento, mesmo a dança não ter sido algo inato, como é a escrita para mim.

Refletir sobre isso, considerando os relatos de amigos que já haviam participado de oficinas, junto com a crise existencial que eu passava. O ano de 2014 foi de mudanças e se por um lado, estava trabalhando muito e consequentemente escrevendo bastante, essa produção não era para o blog ou coisas pessoas, nem no meu diário conseguia escrever. Estava em crise por não conseguir produzir nada além de notícias e a vida cobrou a conta.

Então, durante o ano passado, fiz a oficina de Criação Literária do SindBancários, ministrada pelo escritor Alcy Cheuíche, que resoltou na obra “Nos caminhos da imprensa Rio-Grandense e Brasileira”. O livro, que também tem versão em espanhol, reúne contos de 30 oficinandos, abordando episódios marcantes na história do jornalismo e da mídia no estado e no país.

E aprendi muito. Percebi que ainda sei escrever algo que não seja notícia. Fora as inúmeras dicas que não tiram o estilo de ninguém, mas colaboram para melhorar o texto e o processo criativo. Alias, muito exercitamos a criatividade através de exercícios simples que nos lembravam a todo instante que tudo rende uma boa história. 

Porém mais importante do que aprendi foram as pessoas com as quais convivi neste período, as nossas trocas e experiências com aulas regadas a vinho, risadas e muita literatura, me agregaram muito. Com eles também vieram os evento, saraus, debates literários, sessões de autógrafos passaram a fazer parte da rotina. E claro, que os contatos ampliaram consideravelmente, o que é ótimo para quem quer fazer arte.

Durante o verão fiz uma oficina de Literatura e Psicanálise, ministrada pela psicanalista Ariane Severo (companheira do Alcy), no Contemporâneo (Instituto de Psicanálise e Transdisciplinaridade). Foram oito encontro onde pudemos exercitar uma temática mais livre e subjetiva.

Este mês, começo minha terceira oficina literária. Também de Literatura e Psicanálise com a orientação da Ariane Severo, porém está é de dois anos, onde vamos trabalhar os aspectos psicológicos das personagens, importância dos cenários e fluxos de consciência. Ano que vem, os contos produzidos serão compilados em um livro.


Não tenho dúvida que será uma baita experiência. E ao invés disso me podar, estou cada vez mais inspirada e segura para escrever. Ainda bem que me permiti pagar para ver, porque entendi a importância de adubar a terra para as sementes.