Segunda-feira e eu, bêbada.
Deveria estar em casa, fazendo o trabalho de História da Psicologia. Disse num
bar da Cidade Baixa. Tem a impressão de que falou alto demais, mas parece que
as amigas nem ouviram.
Você falou alto sim, Luisa. E tem
bebido em demasia também, daqui um pouco começa a lamúria sobre o tempo
perdido. Aquele conhecido discurso de que depois de cinco anos de cursinho,
criou coragem e enfrentou os pais. Desistiu da medicina para a psicologia e
finalmente passou.
Do que é o trabalho, Lú?
Questiona uma das moças, deixando a voz interna longe e trazendo a jovem de
volta para a mesa do bar. A sensação de tontura parece mais intensa. Preciso ir
no banheiro, pensa enquanto começa a responder.
Sobre histeria. Já assisti Freud Além da Alma, que mostra como ele
ousou em usar a hipnose para tratar essa patologia. Mas preciso de mais
leituras, conta desanimada. Nunca entendi teu amor repentino pela psicologia,
até porque no primeiro semestre, tu passaste com notas baixas em todas as
matérias.
É essa a deixa para começar a
contar a historinha triste, daquelas que não são inverdades de fato, mas
mudamos daqui, contamos um pouquinho diferente ali e acaba virando uma mentira
que a gente tem certeza que é verdade. Vai Luisa, dá a sua versão. Não queria
mais que o pai pagasse o cursinho, se libertou e entrou na faculdade para
realizar um sonho. Não é isso que espalha por aí?
Luisa passou o trajeto até a
cobertura onde mora com os pais, ouvindo essa voz. Incomodada, chegou a chorar
no banco de trás do táxi... Se sabotou tantos anos moça, afinal, a adotada
nunca poderia ser médica como os irmãos e os pais. Cresceu ouvindo a história
bonita que a mãe contava, cheia de orgulho, que ela foi salva num parto
complicadíssimo, onde a mãe biológica não resistiu. Muito se perguntou quantas
vezes essa versão fora ensaiada. Nunca perguntaram o que ela queria. O pai não
iria mais pagar cursinho, estudasse qualquer coisa, mas entrasse numa
universidade. Foi o que fez.
Sobe os degraus do prédio cambaleando,
os segundos que espera o elevador parecem intermináveis. As portas abrem e ela
paralisa. Lá dentro tem o reflexo uma moça de vinte e poucos anos, maquiagem
borrada de bebidas, risadas e lágrimas. Bonita como ela, mas sem a malemolência
que o álcool adiciona à pessoa e o autocontrole de quem pode ter um ataque
histérico a qualquer momento. A mulher do reflexo tem uma beleza séria, seca,
julgadora e castradora. Como um superego.
1 comment:
Tenho adorado esses teus textos, miga!!
Bju, Aline
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