Sunday, August 30, 2015

Vítimas da guerra*

O professor caminha devagar pelos corredores da escola, tem os cabelos brancos e a aparência de quem envelheceu antes da hora. As costas parecem mais curvadas que o normal, não pelo peso dos livros, mas por causa da tristeza e da impotência diante da inversão supostamente natural da vida.

Alheio a tudo, procurando achar um sentido para o futuro que resta, o professor reluta em entrar na sala de aula. Nunca isso foi tão difícil, é o seu ofício diário há 30 anos, mas não conseguiu identificar um momento tão árduo assim. O primeiro dia na sala de aula, quando estava de ressaca, voltava de uma greve sem resultados, a época do mestrado ou quando sua mulher estava prestes a ir para a maternidade... Foram tranquilos perto desta manhã.

Formado em história, o professor era apaixonado pela cultura gaúcha e especializado na guerra dos Farrapos. Natural de Porto Alegre, desde que passou num concurso público, morava em Viamão, feliz coincidência já que a cidade fora um local fundamental para a história Farroupilha. Caçador de personagens esquecidos, havia dado o nome de Luiz ao seu filho por causa de Luigi Rossetti, italiano, amigo de Garibaldi, criador do O Povo, morto em Viamão num 24 de novembro – dia do nascimento do seu menino - na época que o município se chamava Setembrina.

O professor entra na sala do quinto ano cabisbaixo. O silêncio dos alunos tem o peso de sua dor, podia ouvir o que estavam falando, minutos antes. Os pré-adolescentes inquietos comentavam, falavam alto, será que o sor vem, alguns se perguntavam. Todos viram, todos sabiam, muitos compartilharam. Saiu até matéria na página policial do Diário de Viamão, guerra do tráfico faz mais uma vítima, dizia a manchete. Era de conhecimento de todos que o Luiz da Silva, 23 anos, morto no bairro Valença, com duas facadas quando ainda estava em cima da moto, era o filho do professor de história.


Ele encara os alunos, por um segundo pensa que a maioria está mais próxima de ser vítima da guerra do tráfico do que herói em qualquer outra batalha, a tristeza se conforma com as fatalidades da vida. Faz a chamada, pega o plano de aula, vê que a professora substituta já começou a falar sobre a guerra dos Farrapos e suspira. Hoje vamos falar sobre Luigi Rossetti, um dos personagens mais importantes da nossa história...   

*Escrito para  a Oficina de criação literária Alcy Cheiuche

Saturday, August 08, 2015

3.0


Hoje completo 30 voltas em torno do Sol, a bordo desta grande espaçonave chamada Planeta Terra. É o primeiro ano, em muitos, que quero comemorar (o que mais fiz nos últimos meses foi celebrar). Quando era criança tinha festas homéricas e não entendia muito aquela comemoração toda.

Há 30 anos, concluía a primeira etapa e me jogava nesta aventura chamada vida na tridimensionalidade. Dizem que para fazer essa escolha é necessário amor, em todos os sentidos, é que a nossa jornada só tem sentido se essa busca for permanente.

Eu apanhei muito da vida até compreender o óbvio. Foram 29 anos carregando traços do que ainda no útero entendi como abandono e rejeição que vinha de um silêncio inexplicável. Para muitos, o oposto da vida é a morte, para mim naquele momento pré nascimento era o silêncio.


Foi necessário matar muita coisa em mim para renascer, de fato, viva. Há 30 anos eu escolhi o amor ao invés do medo. E, hoje, no dia do meu aniversário, renovo este compromisso. Porque apenas ele é real. Apenas ele nos faz seguir em frente.

E sim, vai ter comemoração mesmo!