O professor caminha devagar pelos
corredores da escola, tem os cabelos brancos e a aparência de quem envelheceu
antes da hora. As costas parecem mais curvadas que o normal, não pelo peso dos
livros, mas por causa da tristeza e da impotência diante da inversão
supostamente natural da vida.
Alheio a tudo, procurando achar
um sentido para o futuro que resta, o professor reluta em entrar na sala de
aula. Nunca isso foi tão difícil, é o seu ofício diário há 30 anos, mas não
conseguiu identificar um momento tão árduo assim. O primeiro dia na sala de
aula, quando estava de ressaca, voltava de uma greve sem resultados, a época do
mestrado ou quando sua mulher estava prestes a ir para a maternidade... Foram
tranquilos perto desta manhã.
Formado em história, o professor
era apaixonado pela cultura gaúcha e especializado na guerra dos Farrapos.
Natural de Porto Alegre, desde que passou num concurso público, morava em
Viamão, feliz coincidência já que a cidade fora um local fundamental para a
história Farroupilha. Caçador de personagens esquecidos, havia dado o nome de
Luiz ao seu filho por causa de Luigi Rossetti, italiano, amigo de Garibaldi,
criador do O Povo, morto em Viamão
num 24 de novembro – dia do nascimento do seu menino - na época que o município
se chamava Setembrina.
O professor entra na sala do
quinto ano cabisbaixo. O silêncio dos alunos tem o peso de sua dor, podia ouvir
o que estavam falando, minutos antes. Os pré-adolescentes inquietos comentavam,
falavam alto, será que o sor vem, alguns se perguntavam. Todos viram, todos
sabiam, muitos compartilharam. Saiu até matéria na página policial do Diário de Viamão, guerra do tráfico faz
mais uma vítima, dizia a manchete. Era de conhecimento de todos que o Luiz da
Silva, 23 anos, morto no bairro Valença, com duas facadas quando ainda estava
em cima da moto, era o filho do professor de história.
Ele encara os alunos, por um
segundo pensa que a maioria está mais próxima de ser vítima da guerra do
tráfico do que herói em qualquer outra batalha, a tristeza se conforma com as
fatalidades da vida. Faz a chamada, pega o plano de aula, vê que a professora
substituta já começou a falar sobre a guerra dos Farrapos e suspira. Hoje vamos
falar sobre Luigi Rossetti, um dos personagens mais importantes da nossa
história...
*Escrito para a Oficina de criação literária Alcy Cheiuche