Quando você começou puxando meu tapete, pensei que não fosse
aguentar. As passagens já pagas e os planos já traçados foram o mais fácil de
desfazer, difícil mesmo foi perceber que sentimentos podem terminar em falta de
respeito, traição e ameaças. Necessário foi compreender que não eu poderia
maximizar uma primeira experiência e permitir que isso manchasse as possibilidades
do futuro. As pessoas são diferentes. Eu estou diferente.
Viajar parecia arriscado demais, horas sentada em aviões e
ônibus não eram o recomendado, mas não tinha o que fazer. Era correr o risco
para me salvar, para dar uma chance de olhar as coisas por outro ângulo e
principalmente me enxergar. Foi preciso um roteiro cheio de escalas, várias
aspirinas, meia de compreensão e paciência com o ritmo do meu organismo. Todos
esses cuidados não impediram que eu parasse no único posto de saúde de uma cidadezinha
no interior de Goiás.
Mesmo não sendo do tipo que curte paixonites agudas em
viagens e com a perna tão inchada a ponto de o tornozelo estar quase do
diâmetro da coxa, curti muito aqueles três dias com o único médico de uma
cidadezinha do interior, que havia se formado em Cuba, morado em Florianópolis,
em Brasília, em Buenos Aires e no Peru, que estava em busca de sossego “porque
viajar é muito bom, mas ficar se mudando toda hora cansa e a gente sempre deixa
coisas pelo caminho.” Me dei conta que teriam outras pessoas. Constatei que
paixonites de viagens são ótimas lembranças, mas são das coisas que a gente
deve deixar pelo caminho. Qualquer movimento no sentido contrário é ilusão e
invasão a uma realidade que a gente não leva quando estamos na condição de
estrangeiro, turista ou viajante.
Foram muitas as vezes que tive certeza que não aguentaria o
tranco, tamanha a quantidade de demandas, de gente pedindo, de matérias para
escrever, atos para cobrir, boletins para diagramar. Iria da hospiciolândia direto
para o hospital psiquiátrico São Pedro se alguns atos não fossem adiados, os
prazos estendidos, o case mudado e as coisas se acertado. Não há clichê mais
verdadeiro do que “trabalhe com o que ame e não terá que trabalhar um dia.”
Seria complicado, o ideal era não forçar muito a perna, pois
uma Trombose Venosa Profunda é muito agressiva. Teria que pegar leve no Pilates
e priorizar as caminhadas lentas. Mas em cada avaliação, permitiam que eu
aumentasse a carga e quando me dei conta, estava correndo, dançando e ensaiando
duas vezes por semana e tive a certeza de que me mexer é vital para minha
sanidade. Consegui subir num palco de novo e dançar, sem a perna inchar. E já
dá até para passar noites e dias em cima do salto, como se nada tivesse
acontecido.
Havia decidido focar em mim, sem me interessar por alguém e
criar expectativas. Cogitava até iniciar uma vida casta de freira. Mas prestei
atenção no que já mexia comigo e me surpreendi e gostei e é bom sentir o
arrepio que me dá só de lembrar. Notei que as pessoas despertam coisas
diferentes, e mesmo quando sou invadida por um medo absurdo por me dar conta do
que isso significa, sinto que isso me faz bem.
Eu tinha certeza que não aguentaria, que as coisas não
teriam mais graça, que me afundaria na descrença, no pessimismo, na ideia
terrível de que ninguém presta. Só que todo dia eu acordava leve, sem o peso
das culpas pelas coisas que a gente se responsabiliza sem nem se dar conta,
para se punir. Já me questionei muito se leveza é sinônimo de felicidade, ainda
penso que não, mas com certeza, andam bem próximas.
Obrigada 2014, você não me deu nada do que esperava, mas foi
muito melhor do que imaginei.