Saturday, October 25, 2008

Seqüelas

Li a carta que a atriz Fernanda Torres escreveu para o seu pai, o ator Fernando Torres que morreu recentemente, e está postada no blog da Martha Medeiros. Fernanda conta que seu pai passou os últimos 20 anos com a saúde abalada por causa de um derrame cerebral que o atingiu em 1986, só que não foi diagnosticado. Ele esqueceu o texto no meio de uma peça, acharam que era apenas a memória. Mas era um AVC e Fernanda conta como isso prejudicou a vida de um homem muito ativo.

Minha mãe teve um derrame, nem um pouco leve, em 1985. Como disse Fernanda, numa época que a neurologia engatinhava. Foi numa quarta-feira de cinzas, depois de ter pulado o melhor carnaval da sua vida, como ela mesmo define. Eu estava lá, embora não lembre... Minha mãe estava grávida de mim, de três meses.

Por isso passou praticamente toda a gravidez no hospital, entrou em coma, o caso era de risco para ela e para mim. Uma das primeiras cirurgias computadorizadas do Brasil (numa época que começavam a falar em computadores), foi realizada na cabeça dela. Foram feitas várias transfusões de sangue quando a AIDS assustava mais que a inflação.

Meu pai vendeu o carro, a casa e o pequeno comércio que tinha para conseguir pagar todo o tratamento que durou anos. Dessa época, vieram os cabelos brancos dele, eu escuto as lembranças de toda a família, vejo as fotos de mulher me segurando no colo com os cabelos raspados, uma enorme cicatriz na cabeça e um grande sorriso.

A mãe que conheço, sim, ficou seqüelas, mas é muito ativa. Reclama da vida e gostaria de poder usar salto alto. Tem senso de humor e volta e meia fala: “meu Deus, ninguém espera que eu fosse tá viva depois de tanto tempo. Então eu tô no lucro.” Aliás, um senso de humor que eu herdei e que segundo ela, ficou mais manso e leve depois de tudo o que aconteceu.

Eu não sei o que causou um derrame cerebral numa moça de 26 anos, grávida do seu primeiro filho. Nem num ator consagrado, em cima de um palco. Só sei que minha mãe teve sorte e eu, mais ainda.

Friday, October 17, 2008

As imagens falam por si












Essas são algumas imagens que eu registrei ontem, durante o ato de encerramento da 13ª Marcha dos Sem, na praça da Matriz, centro de Porto Alegre.

Durante a violência, sem explicação, da Brigada Militar, três bombas de efeito moral foram explodidas e tiros com balas de borracha feriram 17 trabalhadores.


Tuesday, October 14, 2008

Diário



Hoje, debaixo de chuva, me abalei até o distante bairro Intercap, em Porto Alegre, para pegar as fotos da minha formatura. Um baita programa de índio, mas eu tava com a Ana, minha amiga e ex-colega da faculdade, foi divertido. Muito divertido, nos duas, meia hora esperando o ônibus com guarda-chuvas que não continham a água e preocupadas para não molhar as fotos.

Chegamos no centro de Porto Alegre, enxargadas. Depois de uma passada básica nas Americanas fomos para o Rua da Praia Shopping encontrar duas amigas, que também chegaram brigando com seus guarda-chuvas. Almoçamos por ali mesmo. Tava com saudade das gurias, no último semestre, eu, a Ana Paula, a Aline, a Rê Tissot e a Cris (que não conseguiu folga no serviço hoje), fizemos todos os trabalhos juntas.

Nos quarentas minutos deu para colocar um pouco da conversa em dia. O caixa do restaurante não tinha troco pra me dá, então comprei quatro Batons (o chocolate) e dei um pra cada uma. Dai a Aline me olhou e perguntou: "tu vai escrever no teu blog que tu deu chocolate pra tuas amigas?"

Fiquei sem ação. É estranho saber que as pessoas vão ler o que eu escrevo. Acho que fiquei vermelha, mas elas não falaram nada ou não perceberam. E ela falou, assim, tão naturalmente... Mas é claro que eu tinha que escrever que hoje eu dei uma Batom pra minhas amigas. Aliás, é só por isso que estou escrevendo esse texto.

Depois tive que deixar o almoço e o sorvete no Mc Donalds para ir trabalhar. Tô gostando do serviço, tômara que fique mais do que o mês de férias da Daiani! Dia agitado, preparativos pra a Marcha dos Sem. Amanhã, trabalho o dia inteiro. Tranqüilo, tô adorando.

Cheguei em casa e fui para a esteira. Me lembrei que meu avô está de aniversário hoje, nem falei com ele. Me deu saudade da minha avó, que era casada com ele. Ela morreu quando eu tinha 6 anos. Praticamente, toda a minha vida foi, é e será sem a presença dela. Às vezes acho incrível eu lembrar tanto dela. Dá saudade. Da vó, do que as pessoas eram, de como as coisas eram...

Depois olhei a novela e fui para a internet, olhar os e-mail, conversar no msn, perder tempo no orkut, ler os blogs que curto, ouvir música... Acabei escrevendo esse texto...

Agora eu vou dormir, tô com um nó estranho na garganta, de saudade, de pensar como as coisas poderiam ter sido... Não sei se estou alegre ou triste, passei grande parte do dia alegre, até que a tristeza veio dá as caras... Mas o que importa mesmo é que hoje eu dei chocolate para as minhas amigas.

Wednesday, October 08, 2008

As grandes coisas

O que você fez hoje? Eu estou lendo “Quase memória”, do Carlos Heitor Cony. Nesse livro, ele conta as lembranças que tem do seu pai. Lá pelas tantas, o escritor afirma: “era o sujeito que todo dia, ao dormir, pensava consigo mesmo: ‘Amanhã farei grandes coisas!’”

Hoje, ao ler essas linhas, dentro de um trem lotado, dobrei o canto da página. Quantas pessoas naquele vagão tinham feito grandes coisas nesse dia. Dividindo o transporte comigo, estavam duas irmãs gêmeas vestidas com o uniforme do Inter, uma senhora que lia a Bíblia, uma moça que chorava silenciosamente, três guris com skates e fones no ouvido, um senhor que não parava de mexer na gravata... Qual a grande coisa realizada por eles hoje?

E o que será uma grande coisa? Essa crise na economia mundial é uma grande coisa para quem? Para alguns, grande coisa é não perder a esperança de ir para o exterior com a alta do dólar. É ler um bom livro e marcar algumas passagens, assistir boas peças de teatro, achar um filme bem lado B em cartaz no centro da cidade, não usar cartão de crédito e pagar à vista, encontrar um amigo, se surpreender com um conhecido, cozinhar, levar os filhos para a escola, viajar, namorar, trabalhar, colocar uma roupa nova, brincar com o cachorro...

Tanta coisa! As grandes coisas não estão longe. São próximas de pessoas comuns. É aquela pedra no caminho que nos faz tropeçar e nos impulsiona, nos acorda. É o barulho chato do mosquito no ouvido, nos lembrando de prestar mais atenção... Pairam no ar e na primeira oportunidade, caem no nosso colo.

Uma grande coisa que fiz hoje foi um cartaz no trabalho. Tive que fazer um cartaz para um evento, assim, rapidinho. No computador não tinha Pagemaker, só Corel e eu não sei mexer no Corel. Mas tinha que fazer o cartaz. E fiz. No Corel mesmo... Abri o programa, respirei fundo e fiz!

Provavelmente, daqui um tempo nem vou me lembrar mais desse cartaz e do sufoco momentâneo. Vou esquecer e reclamar, sem me dar conta que as grandes coisas cabem direitinho nas nossas limitações.

Friday, October 03, 2008

Recadinho do Bertold

O Analfabeto Político

"O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo."


Bertold Brecht