Como a maioria dos dias de janeiro, estava quente e abafado, mas chovia uma garoa fina, que não me deixava brincar na rua, estava perdida em algum quarto da grande casa da minha avó. Havia apenas o barulho das panelas no fogão...
De repente minha avó quebrou o silêncio: “Renata, vem ver! Teu irmãozinho chegou!” Atravessei o enorme corredor correndo, minha avó me pegou no colo e sem me espichar muito, consegui ver tudo através da janela com os vidros amarelos. Meu pai saindo do carro, abrindo a porta para a minha mãe... O sorriso e toda a expressão do rosto dela... Um guarda-chuva aberto às presas para não molhar o novo membro da família.
Ao longe, a voz da minha avó me falava coisas que eu não ouvia... A minha avó e meu pai não tinham importância, eram apenas coadjuvantes. O que importava era o ser que minha mãe acabava de levantar para eu ver.
Meu pai e minha mãe, obviamente, eu já conhecia, o carro, sabia que era azul... Com três anos já conhecia as cores das árvores e das flores do pátio, tinha aprendido que o muro era branco, o portão marrom e a Cuica, a cachorrinha da minha avó que latia no portão, branca com preto... A única novidade era a pessoa que iria dividir meus pais, a casa e uma vida comigo. E quando vi meu irmão, sai do colo da minha avó e corri. Meu irmão era simplesmente amarelo!
Depois desse dia, não lembro do próximo encontro com meu irmão (que deve ter acontecido minutos depois), nem dos meus pais entrando em casa ou que almoço a comida que estava no fogão, virou. Recordo apenas que, novamente, atravessei o corredor correndo e da calma típica da minha avó, perguntando o que eu tinha e a minha decepção: “Por que meu irmão é amarelo?”
A janela com vidros amarelos ainda está no mesmo lugar, embora aquela continue sendo a casa da minha avó, ela já não está mais lá para me explicar que meu irmão só estava amarelo porque eu o tinha visto através do vidro. Depois disso, nos churrascos e festas na casa da minha avó, adorava ficar sentada na sala só para observar as pessoas e as coisas mudando de cor.
Muitas piadas eu já ouvi por causa desse episódio e da minha inexplicável afeição por vidros coloridos. Mas às vezes, quando olho para o meu irmão, ainda o acho um pouco amarelo.